CARTAZ 2ª CONFERENCIA ASPPM

{slider Cartaz}

pdfCARTAZ 2ª CONFERENCIA DA ASPPM

{slider Abertura}

5 PDN DiscursoDigníssimos ordores

Ilustres convidados

Estimados Associados da ASPPM

Minhas senhoras e meus senhores

Começo por cumprimentar e agradecer a presença de V. Exas nesta 2ª Conferência da Associação Sócio Profissional da Polícia Marítima, subordinada ao tema da dicotomia segurança/ Investigação criminal no âmbito do designado Sistema de Autoridade Marítima.

Quero dirigir o meu primeiro agradecimento ao nosso anfitrião, o Exmo. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor-doutor Jorge Duarte Pinheiro, pelo acolhimento desta 2ª Conferência da ASPPM no proeminente espaço onde nos encontramos.

Quero igualmente agradecer aos distintos oradores: ao Digníssimo Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata e membro efetivo da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades Garantias, Dr. Paulo Simões Ribeiro, que face aos imponderáveis de agenda do Presidente da 1ª Comissão Parlamentar, Dr. Fernando Negrão, se encontra neste espaço para partilhar algumas palavras sobre o tema; ao Juiz desembargador Antero Luís, à Professora Marta Chantal Ribeiro, à Professora Célia Costa Cabral, ao Capitão-de-mar-e-guerra Jorge Silva Paulo, ao Procurador Manuel Pacheco Ferreira, ao Professor Rui Pereira, ao Dr. Carlos Anjos, ao Comandante da Marinha Mercante Hélder Almeida e ao Dr. Manuel Catarino, a seriedade e autoridade que trazem para este espaço de reflexão.

Deixo ainda um agradecimento muito especial ao Exmo. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. António Bernardo Colaço, por ter acedido moderar esta 2ª Conferência, tarefa que se adivinha nada fácil pela dimensão intelectual dos conferencistas que compõem a mesa, face à infinitude de subtemas que a temática permite aflorar.

Fazendo uma sintética definição do Sistema de Autoridade Marítima, poderemos afirmar o SAM como uma interconexão organizada de entidades titulares de poderes de autoridade marítima com a finalidade de garantir o cumprimento da lei, a segurança das atividades marítimas e a prevenção e repressão da criminalidade nos espaços marítimos sob a jurisdição nacional.

Extrai-se assim do Sistema de Autoridade Marítima esta dúplice de componentes da Segurança Interna que dá o mote à presente conferência: a segurança em sentido estrito e a repressão da criminalidade por via da investigação criminal.

Nesta perspetiva dicotómica o SAM carece de uma articulação com outros dois conhecidos sistemas: o Sistema de Segurança Interna e o Sistema de Investigação criminal.

E é nesta perspetiva que se pretende desenvolver o tema:

Estará o quadro jurídico do SAM adequado para se articular com o Sistema de Segurança Interna?

Existirá verdadeiramente uma interconexão entre as entidades que operam no SAM?

Será esta ligação sistemática uma relação simbiótica, ou antes um mal necessário?

Haverá realmente coordenação entre as entidades que operam no SAM?

Haverá verdadeira cooperação e partilha de informação entre essas entidades?

E no que respeita ao Sistema de Investigação criminal, estará o SAM capacitado para responder de forma adequada aos fenómenos de criminalidade marítima?

Como avaliar os resultados de prevenção e investigação da criminalidade no SAM no quadro jurídico atual?

Que sentimento de segurança predomina nas comunidades ribeirinhas e nos operadores marítimos?

Questões, estas, que nos propomos refletir nesta 2ª Conferência da ASPPM, com os apreciáveis contributos e opiniões avalisadas do excelso elenco de oradores que nos acompanhará no decurso desta reflexão conjunta.

Obrigado pelo Vossa atenção.

Miguel Soares

Presidente da Direção Nacional da ASPPM

{slider Alocução do Diretor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa}

Diretor apresenta livro Bom dia a todos

Cumprimentos especiais para o senhor Presidente da Direção Nacional da ASPPM, é a segunda conferência que vai realizar, e pela segunda vez na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. E é um gosto ter este evento aqui presente e ter tantas pessoas neste evento, e pessoas tão qualificadas que saúdo também, já foram muitas aqui referidas pelo senhor presidente desta meritória Associação com esta belíssima ideia, e uma ideia que já teve frutos na sequência da primeira, e que está aqui perfeitamente materializada.

Certamente esta conferência é uma conferência que revela o dinamismo continuado desta associação e é um evento promissor.

Quero repetir que é um gosto para a Faculdade acolher este evento.

E esta Faculdade, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa parece-me ser o local perfeitamente ajustado a este evento.

Estamos a falar de um espaço que tem uma grande oferta científica e pedagógica e é nessa oferta, sem dúvida, uma escola com grande capacidade de investigação e ensino na área do Direito do mar e do Direito Marítimo. Temos nomes sobejamente conhecidos, por exemplo, no Direito Marítimo o Professor Januário Costa Gomes, na área do Direito do Mar, inúmeros especialistas – eu se calhar talvez referisse, por antiguidade, um só, mas temos vários - a nossa dificuldade não é encontrar alguém, mas dizer aos outros: tenham paciência, vai só este, e portanto, na área do Direito do Mar recordo-me do professor Fernando Loureiro Bastos, mas há outros.

Estamos na presença de uma escola aberta à sociedade.

Aberta a quem queira fazer um trabalho sério e a quem queira ter um diálogo sério, e é o caso.

E por isso honra-nos muito esta escolha e apoiamo-la naturalmente, esta ideia deste encontro aqui.

Quero também referir que esta faculdade já celebrou o seu centenário no ano anterior e as estruturas que trabalham com ela vão ter o seu centenário brevemente, como a Associação Académica da Universidade de Lisboa, e aproveitava para desejar longa vida também para esta Associação.

Espero que estes trabalhos sejam proveitosos e espero que se sintam bem.

Espero que hajam bons frutos e para o ano, espero voltar a ver - e durante muitos anos -este evento aqui.

Muito obrigado.

 

{slider 1ª Painel}

 2conf 1painel

“A Segurança interna nas áreas do SAM”

 Oradores:

Jorge Silva Paulo, Capitão-de-mar-e-Guerra, ECN (Res);

Prof.ª Marta Chantal Ribeiro, Docente da FDUP, doutorada em Direito do Mar;

Dr. Paulo Simões Ribeiro, Deputado da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;

Dr. Antero Luís, Juiz Desembargador, ex- Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna;

Prof.ª Célia Costa Cabral – Docente da FCT/UNL (membro do Grupo de Refflexão Estratégica de Segurança Interna 2005/06);

 

 Moderador: Dr. António Bernardo Colaço, juiz Conselheiro do STJ, Jub.

 

CMG Jorge Silva Paulo

2conf JSPBom dia

Eu queria começar por felicitar a ASPPM na pessoa do Sr. Presidente Miguel Soares pela iniciativa desta 2.ª conferência, que me parece que marca um percurso assertivo e sólido.

Quero também agradecer o convite que me é feito, embora eu seja claramente um amador nestas matérias, mas um amador que vai tirar tempo de facto a quem tem algo muito mais importante do que eu para dizer.

Aproveito para notar também que me sinto muito honrado por estar neste painel com pessoas que são referências nacionais, perante as quais me curvo, e espero não manchar o painel com o pouco que tenho a dizer.

Em qualquer caso eu vou ser muito breve e que vou-me centrar num tema que é um bocadinho lateral em relação à matéria da conferência, ao tema fundamental da conferência, mas que infelizmente em Portugal ainda suscita muitas dúvidas, tanto no meio marítimo em geral como, em particular, entre os militares.

No essencial, o tema da minha apresentação vai ser as “Fronteiras entre a Defesa Nacional e a Segurança Interna” e porque é que estas fronteiras são importantes.

A resposta que eu vou dar é: Elas são importantes porque são inerentes ao Estado de Direito Democrático. Nós não podemos entender o Estado de Direito Democrático sem estas fronteiras entre a Defesa Nacional e a Segurança Interna.

Eu vou fundamentalmente ter três fases na apresentação: uma primeira, a caracterização do Estado de Direito Democrático, lido sinteticamente; depois a sua relação com a segurança, na vertente de Segurança Interna e na vertente de Defesa Nacional; e concluirei com algumas imagens que penso que são reveladoras, e posições de alguns estudiosos na matéria.

Primeiro aspeto que quero salientar na essência do Estado de Direito Democrático é “cada homem é um fim em si mesmo”. Naturalmente que “homem” é a expressão que é usada na Declaração Universal dos Direitos do Homem; é homem e mulher.

Segundo aspeto, cada cidadão é responsável por conduzir a sua vida.

Terceiro aspeto, os homens nascem e permanecem livres e iguais em liberdades e direitos; a liberdade é essencial para a dignidade e a realização humanas. Esta expressão é mesmo transcrita da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Estes pontos são fundamentais nas questões de segurança e nem sempre são apreciados pela sua importância.

Gostava de deixar aqui esta citação de 1951, de um sociólogo estudioso nestas questões, que salienta a importância da autonomia e da liberdade dos cidadãos na sua atuação em sociedade (“The premise of democracy is that each man is the best judge of his own interest, and that all whose interests are affected should be consulted in the determination of policy.” Harold Lasswell,1951).

As características essenciais do Estado de Direito Democrático são, desde logo, em primeiro lugar, o império do direito. Já Aristóteles tinha chamado à atenção para este aspeto importante.

“Cabe à Lei dominar e não se pode agir de pior maneira do que substituindo-a pela vontade de um homem, sujeito como os demais às suas paixões”. Evidentemente que Aristóteles não criou o Estado de Direito mas deu contributos muito importantes para ele.

Um corolário do império do Direito é o princípio da legalidade: a lei é o fundamento e o limite da atividade administrativa. E o principio da proporcionalidade, também muitas vezes designado por principio da proibição do excesso. É um princípio extraordinariamente importante neste âmbito de que estou a falar.

Outra característica essencial do Estado de Direito é o catálogo de Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais e a separação dos poderes.

Chamo a atenção também para esta citação, esta síntese de Gomes Canotilho que nos permite, em poucas palavras, ter a noção do que estamos a tratar: (“O princípio básico do Estado de direito é o da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a consequente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes.” Gomes Canotilho,1999)

Complementando as características essenciais, temos a democracia representativa, que traduz a vontade popular, e a supremacia civil.

Eu não posso deixar de notar este documento (“A força pública é essencialmente obediente. Os corpos armados não podem deliberar.” artº12º-Título IV da Constituição Francesa de 1791). E porque também há militares presentes na sala, este conceito de supremacia civil merece da parte de muitos militares, e infelizmente hoje, apenas a expressão “era o que faltava”. Ou seja, 40 anos depois do 25 de abril ainda há uma quantidade significativa de militares que acha que isto é um bónus que alguns concederam naquela data.

Não é! A força pública é essencialmente obediente. Os corpos armados não podem deliberar.

Isto é uma disposição da Constituição Francesa de 1791, que foi adotada por todas as Constituições em Portugal depois de 1820, incluindo a de 1820, exceto da Constituição de 1933, e que traduz esta ideia de supremacia civil.

“A tradição da supremacia do poder civil constitui uma barreira moral e legal contra a tentação de alguns militares pelo poder”, disse o General Loureiro dos Santos antes de ter exercido cargos na estrutura superior do Estado.

“É o seu estatuto fatalmente privilegiado – a obtenção da força bruta – que autolimita politicamente a instituição militar. Não é possível acumular nas mesmas mãos os dois gládios – o da força pura e o da supremacia política – sem confiscar de maneira tirânica a liberdade civil”, Eduardo Lourenço, 2013; texto do livro que é reeditado depois de o ter originalmente escrito em 1975 e em que defendia, já nessa data, as mesmas ideias.

A interação entre segurança e democracia exige alguns compromissos, desde logo, entre a coação e os Direitos, Liberdades e Garantias; entre a liberdade e autoridade, entre os formalismos e a materialidade das coisas; entre a preferência pelas restrições preventivas e pelo secretismo, e pela transparência necessária ao Estado de Direito Democrático.

É na linha da máxima romana “odiosa sunt restringenda” que um princípio fundamental num Estado de Direito Democrático é que a liberdade é a regra. A penetração da esfera individual é a exceção.

Importa agora notar qual é a natureza, primeiro da Segurança Interna, depois da Defesa Nacional. Em primeiro lugar o papel fundamental dos Direitos, Liberdades e Garantias: do outro lado estão cidadãos, o que significa desde logo um princípio de baixa intensidade da coação; é focada na obtenção e preservação da prova para ser apresentada com os suspeitos em tribunal; e é repartida por 4 domínios, a Segurança Pública, a Manutenção e Reposição da Ordem Pública, a Investigação Criminal e as Informações; a segurança interna deve primeiramente ter por fim a realização, não fictícia, mas real, do princípio estruturante de qualquer Estado pós-moderno, que é o respeito pela dignidade da pessoa humana – eu, com este autor, só não estou de acordo com esta referência “pós-moderna”, mas, no essencial, subscrevo.

Já a Defesa Nacional, ou se quiserem também segurança externa, aspetos fundamentais a destacar: “a ameaça mais poderosa exige uma força poderosa”: Luís Salgado de Matos – “Como as Forças Armadas têm o inimigo mais poderoso, têm que ter o máximo de fogo possível numa dada organização política”. Isto significa que há uma desproporcionalidade das Forças Armadas fase às ameaças internas. Resulta da leitura da continuação do texto do autor referido, “deste poder de fogo-fogo resulta que as Forças Armadas são suscetíveis de submeterem pela força qualquer segmento da organização política” - palavra chave: suscetíveis. Não quer dizer que o façam. Agora, se tiverem a tentação… aliás, a tentação está lá. Agora, se tiverem a oportunidade…

No outro lado estão inimigos, significa que pode ir até à destruição, ou guerra; “Military force does not have an absolute utility, other than it’s basic purposes of killing and destroying” - o General Rupert Smith é, talvez, o último general inglês que participou em operações militares de campanha no sentido mais tipo do termo, e que produziu um livro com esta data (2005), que é uma referência nesta matéria, e começa por aqui.

E não podemos esquecer o corporativismo dos militares. Todos os grupos sociais e profissionais têm algum tipo de corporativismo, mas os militares têm as armas, e gostava de citar estes dois autores especialistas nesta matéria com um intervalo de quase 40 anos “to believe that the military are not an effective pressure group on the organs of government is to commit a political error.” (Morris Janowitz,1960). É um americano e está a falar em 1960 relativamente aos Estados Unidos. Naturalmente que todos percebemos que isto se pode aplicar a qualquer país.

E depois esta outra mais recente “The armed forces can inflict significant harm on the democratization process through the pursuit of their own narrow institutional interests or their intimidation of potential rivals.” (Louis Goodman, 1996). Lá está, mais uma vez, as armas, mesmo não exibidas, podem ser intimidantes.

E agora talvez duas imagens, ou dois conjuntos de imagens, que nos clarificam isto, e que, no fundo, são intuitivas. Um navio militar ou se quiserem forças militares, toda a gente as distingue em qualquer parte. Não há ninguém que tenha dúvidas do que é um navio militar, do que é um tanque, ou um avião militar. E aquilo que é típico, como dizia o General Smith, é o uso da força. E o uso da força que não é meiguinho, como nós podemos ver na imagem do lado direito.

Já as operações policiais têm estas particularidades: podemos ter uma diversidade enorme de meios, com várias cores, a atuar como polícias, mas depois temos sempre elas a concluírem-se de uma forma muito concreta: o suspeito é levado a alguém que é independente para avaliar se de facto houve um ilícito e qual é a sanção aplicável.

Convém também ter presente o que dizem alguns estudiosos nesta matéria. George Sherman, herói da guerra civil americana “os militares não são Polícias” já naquela data. Ano de 1957: “os militares não podem ser ao mesmo tempo bons militares, bons políticos e bons polícias”. A autor desta obra de 1957 iniciou uma linha de investigação que hoje é fundamental nesta matéria.

Mais uma vez, o General Loureiro dos Santos, antes de ter chegado ao poder, “Não tenhamos duvidas que umas Forças Armadas capazes de tudo fazer, mas incapazes de fazer a guerra, não são Forças Armadas”, julgo que ele já não pensa exatamente assim.

Freitas do Amaral, autor da Lei de Defesa Nacional de 1982 e um dos elementos fundamentais na revisão Constitucional de 1982. Aliás, um exemplo de Ministro que documentou tudo aquilo que fundamentou a lei que apresentou. Não há lei, talvez, mais bem explicada e defendida neste âmbito militar, do que esta. Ele disse “não fornecer a ninguém qualquer pretexto para que no futuro pudesse invocar-se o conceito amplo de defesa nacional para tentar justificar a intervenção militar na solução de crises políticas internas”.

Outro estudioso mais recente, “a forma mais saudável das Forças Armadas atuarem no Estado é dedicando-se à ameaça externa”.

E, finalmente, não perdendo de vista que a participação das Forças Armadas em missões internas tem o risco de criar também aversão entre os cidadãos que supostamente deviam ver nas Forças Armadas o seu garante perante uma ameaça grande.

E quero concluir dizendo, pode ser difícil distinguir as ameaças externas das ameaças internas; pode estar clara a origem externa de ataques terroristas; pode a ameaça ser muito poderosa; pode ser que as Forças Armadas tenham capacidades preciosas contra uma dada ameaça; mas não é isso que fundamenta a atuação das Forças Armadas no âmbito doméstico. No Estado Direito Democrático é a lei que determina as competências; não são as capacidades.

Para as Forças Armadas atuarem domesticamente, as suas capacidades têm de ser necessárias e é a lei e a proporcionalidade a determinar o seu emprego sob autoridade competente.

Ainda assim, as Forças Armadas devem começar por apoiar as Forças e Serviços de Segurança e só se tal for insuficiente e inadequado se justifica decretar a lei marcial e o estado sitio, e atribuir às Forças Armadas poderes no âmbito interno. A posse das armas cria a tentação de as usar e abusar para fins sectoriais. Acrescentar a oportunidade de uso à posse das armas mais poderosas do país fragiliza e ameaça o Estado de Direito Democrático.

E aqui concluo, agradecendo a vossa atenção.

{slider Intervenções no Debate do 1ª painel}

DEBATE

Pergunta do Almirante Medeiros Alves

Nos anos noventa, na Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, ensinava-se aos alunos que a Marinha não podia exercer fiscalização na pesca. Havia alunos, na Universidade de Direito da Faculdade de Lisboa, que eram Oficias da Marinha, que rebatiam este ponto.

Nos anos noventa a Polícia Marítima é considerada como uma força militarizada e o único ponto que se encontra para ser militarizada será a sua ligação ao suplemento de condição de militarizado.

Nos anos noventa, também, o Estatuto de Disciplina da Polícia Marítima tem referências à sua funcionalidade.

No ano 2002, quando sai o pacote 2002, será importante referir, para além daquilo que a Senhora Doutora aqui referiu, que há um elemento importante que é o poder da Autoridade Marítima. E o poder da Autoridade Marítima não é concedido às Forças Armadas. E está a listagem nesses Decretos - não sei se é no 43/2002 ou 44/2002 - quem tem poder da Autoridade Marítima.

A Senhora Doutora Chantal referiu aqui o poder do Estado nos vários espaços de jurisdição marítima, e a sua globalidade, em termos de definiçãointernacional no Direito Marítimo.

Não me esqueço que ainda hoje o Chile refere como espaço deles, o espaço presencial que deu origem à Zona Econômica Exclusiva, mas eles continuam a debater para que ele seja incluso no Direito Internacional.

A Senhora Doutora não referiu como é que esse poder, e por quem, é exercido nesses espaços de marítima. Qual é a autoridade que nesses espaços marítimos exerce o direito de Estado no mar? Que é fundamental para uma autoridade que vai desde o limite da Zona Económica Exclusiva, que no rio Guadiana vai até Mertola, que no rio Douro vai até Barca Dalva, para referir estes dois aspectos.

No ano 2004 foi criado o Sistema Nacional de Crises. Esse Sistema Nacional de Crises, penso eu, foi substituído pelo Sistema de Segurança Interna. Foi eliminado, entretanto para se fazer a Lei de Segurança Interna.

Foi referido aqui um estudo onde se apercebeu que havia alguma dificuldade em enquadrar a Polícia Marítima, e eu, na qualidade de Diretor-geral da Autoridade Marítima e Comandante-Geral da Polícia Marítima há altura, participei nesse estudo, juntamente com o Professor Nelson Lourenço, na Universidade de Lisboa, onde foi definido, em termos mandatórios do estudo - deve lá estar - o mecanismo da geometria variável para o exercício policial, para o exercício de polícia e para o exercício de investigação criminal, que são as três vertentes para o exercício da polícia.

A Constituição da República - houve aqui dois aspectos que não terão sido referidos - é que a Defesa Nacional é uma responsabilidade do Estado e que as Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania.

Também ouvi aqui referir a Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional, que há vários deveres que estabelece muito claramente no seu artigo 4.º que as Forças Armadas são uma estrutura do Ministério da Defesa Nacional; a Autoridade Marítima Nacional é outra estrutura do Ministério da Defesa Nacional. A Autoridade Aeronáutica Nacional é outra estrutura da Defesa Nacional - e que nos Diplomas anteriores até tinha escrito: a definir . O Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo e para a Busca e Salvamento Aeronáutico são mais outras duas estruturas.

E acontece que quando foi criado o Sistema de Segurança Interna, e eu gostei, e apreciei muito ouvir o senhor juiz desembargador sobre esta matéria, mas tenho uma opinião que gostava de complementar a do senhor Doutor, que é: eu considero que está estabelecido quem exerce a Autoridade, e quem exerce a autoridade é o Governo. E está explicitamente escrito no artigo 12.º da Lei da Defesa Nacional, no seu número 3 alínea h), que o governo estabelece os mecanismos de cooperação entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança e que o CEMGFA articula com o Secretário Geral da Segurança Interna. Tudo bem!

Ora, estes dois homens só podem articular em função daquilo que lhes foi determinado! E quem tem que determinar é o Governo! Está na Lei!

E, portanto, o Governo também tem que cumprir a Lei! É essa a questão!

E estes dois homens depois cumprem o que o Órgão de Soberania determina e manda publicar! E esta questão, que eu saiba, nunca foi feita!

O Governo nunca estabeleceu os mecanismos de cooperação entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança!

E trouxe problemas onde? Trouxe problemas quando o Obama veio a Lisboa, quando foi a reunião da NATO!

Trouxe problemas quando veio sua santidade o Papa a Lisboa!

Trouxe problemas quando a Polícia Judiciária vai a Odemira e acontece o que aconteceu.

Trouxe problemas quando o Exercito exerce autoridade perante os cidadãos em Santa Luzia, e não pode!

Trouxe problemas quando o Exército exerce autoridade sobre os cidadãos na serra de Sintra, e não pode!

E estas questões devem ser definidas!

Também foi aqui referido o Decreto-Lei 235, se não me engano é de 31 ou 30 de novembro de 2012. Sim senhor! Mas esse Diploma acresce, na humilde opinião de qualquer cidadão contribuinte - porque a afirmação de inconstitucionalidade não lhe é permitida, mas é permitido pensar na inconstitucionalidade - porque a inconstitucionalidade é definida por órgãos competentes, que são vários, designadamente os grupos parlamentares.

E já nos Decretos 43 e 44 existem presumíveis inconstitucionalidades. A saber, os Comandantes de Zona Marítima são simultaneamente Comandantes Regionais e Locais da Polícia Marítima. Isto não contradiz o capitulo 9.º e 10.º da Constituição da República Portuguesa? No meu entendimento contradiz!

Acresce que anteriormente a Polícia Marítima dependia e estava subordinada ao Ministro da Defesa Nacional. E o Ministro da Defesa Nacional delegava no Comandante-Geral competências, porque pressupõe - se é possível pressupor - que o Comandante-Geral da Polícia Marítima depende do Ministro da Defesa Nacional.

Ora, o 235 ao abranger a Polícia Marítima no âmbito da Autoridade Marítima cria outra inconstitucionalidade. Aí no lugar onde não haveria, que era o Chefe de Estado Maior da Armada ser, por inerência, o chefe da Autoridade Marítima Nacional. Contudo, não tinha interferência numa Polícia e passou a ter!

E era esta a questão!

Já que a Associação Sócio Profissional da Polícia Marítima remete para a Procudaria-Geral da República questões sobre a constitucionalidade daquilo que se passa, a questão como: quais serão os outros mecanismos que são permitidos aos Portugueses, cidadãos e contribuintes, para que possam ver a sua Constituição ser cumprida? Era a minha questão.

 

Resposta da Professora Marta Chantal Ribeiro

Sr. Almirante, os limites não permitiam exprimir com toda a clareza pelo que eu desejava. De facto falei em questões muito complexas em muito pouco tempo e algumas questões ficaram em aberto.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece um conjunto de poderes dos Estados de forma abstrata. Por um lado poderes de regulação, isto é, que tipo de atividades é que os Estados podem regular e até onde, mas não diz, internamente dentro da organização interna do Estado, quem é que tem o poder de adotar a Legislação - cabe a cada Estado definir.

Para além dos poderes de regulação, a Convenção também determina um conjunto de poderes de fiscalização e sanção - é certo. Mas não cabe à Convenção definir, dentro da organização interna do Estado, quem é que vai exercer esses poderes.

Se reparar, são mais de 160 os Estados-membros, ou Estados-parte, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e não cabe ao Direito Internacional, de forma unilateral, interferir com a organização interna, com a organização constitucional do Estado – quando o Estado opta por essa organização, claro.

O que eu quero dizer é que - e não me cabia a mim, de forma alguma, definir à luz do Direito do Mar quem é que em Portugal deve exercer o poder de fiscalização, inspeção e sanção, seja ele qual for. Não me cabe a mim - não cabe ao Direito do Mar - fazê-lo. e o Sr. Almirante respondeu. De facto cabe ao Governo - e não só - cabe a quem em Portugal tem poderes de decisão legislativa, certo?

Ora, se nem o Governo lhe responde, se nem a Assembleia da Republica lhe responde, quer que lhe responda Sr. Almirante? Não tenho como! Peço-lhe desculpa!

(réplica do Vice-Almirante Medeiros Alves) - Gostava de ter a sua opinião!

(Professora Marta Chantal Ribeiro) - Eu disse, quando aqui cheguei, que “sou um peixe fora de água”. Tinha dito isso ao Dr. Miguel Soares, eu espero de vir cá aprender com as intervenções, quer daqui da parte da mesa, quer da audiência. Espero vir, eu própria, a perceber um pouco mais de como é que funciona este Sistema de Autoridade Marítima e o enquadramento da Polícia Marítima, e também neste quadro complexo.

Portanto, se eu própria sou uma aprendiz, o Sr. Almirante perdoe-me, pode ser que daqui a alguns anos eu já tenha uma resposta para si.

 

Resposta do Juiz desembargador Antero Luís

Bom, Sr. Almirante, de facto é verdade, quem manda é o Governo.

Ou seja, o grande problema, de facto, é o exercício de autoridade do Estado – aliás, é o maior problema do nosso país neste momento.

Não é financeiro. É o exercício da autoridade do Estado. Porque ninguém exerce a autoridade para não ter chatices.

Começa na Assembleia, vem por ali a baixo e ninguém quer chatices.

Então qual é a melhor maneira de não ter chatices? É não dizer nada! Pronto, está bem!

Cada um faz aquilo que acha que deve fazer. E daí essa sua afirmação que o Governo nunca fez. Claro que nunca fez, nem este, nem nenhum outro. Nem nunca fará.

Porque as pessoas não têm noção de que quando o cidadão elege um outro cidadão para o representar, para exercer a autoridade do Estado, conforme resulta da Constituição e da Lei, ele demite-se do mandato que lhe é dado.

E esta é a realidade nua e crua do país. Começou por pequenos poderes, começaram-se a esvaziar esses pequenos poderes - os poderes do padre, do juiz, do professor, do médico, aqueles pequenos poderes todos - e neste momento, a ausência desse exercício de autoridade do Estado chega ao topo do Estado.

E ninguém quer saber de nada. Esta é a minha perceção, que eu tenho em relação ao Estado.

E portanto, eu não espero e nunca esperarei, enquanto não mudar a filosofia daqueles que representam os cidadãos em cada momento concreto,enquanto não mudar a filosofia, não espero nunca que Governo nenhum dê essas coordenadas. Porque nunca o fará.

A não ser um dia que eventualmente a filosofia dos políticos, daqueles que são eleitos por nós todos, mudem de facto, a agulha.

E portanto, fique descansado, que vai continuar a depender do bom senso do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas para conseguir articular o que quer que seja. E vão ter que ser eles a estabelecer os parâmetros.

Ou então, fazer aquilo que eu disse que devia ser feito: fazer um plano onde toda essa matéria esteja incluída e obrigar o poder político a chancelá-la.

Isto é, apresentá-lo, aprová-lo em gabinete de concelho coordenador, e levá-lo aos Ministros e ao Primeiro-Ministro para o levar ao Governo para ser aprovado em Concelho de Ministros, que é o que eu espero.

Portanto, é fazer o percurso inverso. Em vez de cima para baixo, vai de baixo para cima. É a única esperança que eu tenho, porque de outra forma, garanto que nunca terá essas coordenadas.

 

Pergunta do CMG Paulo Neves Coelho

Eu chamo-me Paulo Neves Coelho, sou Capitão-de-mar-e-guerra na reserva fora da efetividade de qualquer serviço, ou cargo público, e vou dirigir uma pergunta ao senhor Comandante Jorge Silva Paulo e uma pergunta à senhora Dr.ª Marta Chantal Ribeiro.

Relativamente à apresentação do Comandante Jorge Silva Paulo, eu queria dizer que subscrevo na totalidade, concordando plenamente com o que lá foi dito, à exceção de uma pequena coisa, que é a questão da caraterização da capacidade militar, ou dos militares, para destruição total.

De facto, não subscrevo essa visão num Estado de Direito Democrático.

Seria um pouco, à semelhança do Direito Penal, dizer que a pena de morte é característica do direito penal. E porquê? Porque é, se calhar, mal comparada.

No Estado de Direito Democrático, até mesmo a ação das Forças Armadas está limitada, como disse, e muito bem, pelos princípios da proporcionalidade e das convenções de Genebra. E a própria expressão “destruição total” é fortíssima. Faz logo lembrar o Little boy e Nagasaki e Hiroshima e penso que a “destruição total” de hoje em dia, devido às novas ameaças que também estarão um pouco presentes nos grupos terroristas, apesar, se calhar, de não se exercer, poderão estar previstas.

De maneira que, eu penso que enquadrando nas sociedades modernas e democráticas, o uso da força, mesmo militar, não pode ir à disposição total. Não tem que ir à destruição, eventualmente dos inimigos ou dos alvos. A destruição total de arrasar, e eu penso que o uso dessa expressão neste período, que não é característica de Portugal, da União Europeia, dos Estados Unidos, do Canadá. Pode ser do Irão ou de outro Estado qualquer.

Voltando à pergunta concreta, vou ser muito concreto, e a pergunta talvez seria a segunda parte da apresentação: existindo um órgão que tem competências e não tem capacidades, estou-me a referir à Polícia Marítima, tem as competências de Órgão de Policia Criminal, mas não tem meios para atuar no oceano aberto, e referindo-me à Marinha, portanto à Marinha de Guerra que tem os meios mas não tem as competências, na sua opinião como é que nos podemos, ou como é que pode ser resolvido este assunto de modo a não beliscar a Constituição?

Isto é uma realidade que nós vivemos todos os dias, há contraordenações, há crimes a duzentas milhas, a cento e noventa milhas da costa, e como é que nós articulamos isto sem beliscar a Constituição?

E isto não é um problema meramente teórico porque, eu penso que até já existiram sentenças de Tribunais que absolveram os arguidos por o órgão que exerceu as diligencias policiais não ser competente para o efeito. Portanto, na sua opinião, como é que se resolve este assunto?

Relativamente à pergunta da Doutora Marta Chantal Ribeiro, porque eu sei que ela, para além de ser especialista em Direito do Mar, é especialista, também, em Direito do Ambiente e Direito Europeu, e é uma pergunta relativamente recorrente e um pouco lateral ao assunto deste tema, mas eu penso que é do interesse de toda a gente - a União Europeia, o Tratado de Lisboa fala, e entende-se que os recursos genéticos venham dar sobre a alçada da União Europeia - a minha pergunta concreta é, se isto será verdade, e como é que se pode desmistificar esta ideia dos recursos genéticos, - portanto, aqueles recursos que não são vivos ou não vivos, são quase de um terceiro género - podem escapar a esta vontade e este crescendo de jurisdição da União Europeia?

 

Resposta CMG Jorge Silva Paulo

O que eu disse é que pode ir até à destruição total, enquanto nas forças policiais isso nunca está em causa. De maneira nenhuma.

E dei até um exemplo do emprego do míssil, em que podemos definir o que é destruição total. Podemos destruir um navio com uma arma nuclear, mas não é necessário. Quer dizer, para destruirmos um navio basta termos um míssil.

Mas o míssil é claramente um dos meios que as Forças Armadas empregam para atingirem os seus objetivos. Poderão não chegar ao míssil. Podem ter a destruição que pretendem com o tiro de uma arma ligeira, ou com uma faca. Agora, dentro das Forças Armadas, claramente, está o emprego da força em quase todo o leque. Depois pode é ser ajustada às circunstâncias.

Eu julgo que é mais isto - é claramente isto - que eu quero passar. E nos slides julgo que era isto e julgo que nunca aparece a expressão “destruição total”, porque eu também partilho dessa ideia.

A segunda parte da pergunta… a única coisa que eu posso dizer – eu já respondi a uma questão semelhante no ano passado na conferência anterior, na 1.ª conferência organizada pela ASPPM – a minha perspetiva do ano passado era uma e eu evoluíentretanto. A questão das partilhas, digamos assim, de recursos.

Para mim não tem drama absolutamente nenhum e para muitas pessoas, muitos oficiais da Marinha, não tem drama absolutamente nenhum, disponibilizar os meios e serem colocados sobre a autoridade competente.

Aliás, a Marinha neste momento tem um navio que é o “Figueira da Foz”, se não estou em erro, que está no Mediterrâneo, numa operação em que está sob a autoridade da Frontex, exercido em concreto pela Guarda Civil espanhola, e alguns dos camaradas poderão corrigir-me se não for exatamente assim. Como esteve outro ainda há pouco tempo numa missão no Northwest Atlantic Fisheries Organization, em que esteve a fazer fiscalização e a Marinha apenas cedeu os meios. A autoridade que exercia a fiscalização era outra.

Não há drama absolutamente nenhum, para mim, o exercício desta partilha, em que a autoridade é exercida por alguém que não é da Marinha e que está embarcado.

Agora, eu também tenho que dizer aqui com clareza - já o disse o ano passado e volto a dizer - o drama é para muitos oficiais da Marinha que recusam liminarmente que haja pessoas que eles entendem que não estão ao nível deles, ou que estão num nível inferior ao deles, a dar-lhes orientações, que nem sequer são ordens, porque a situação é uma situação de controlo tático. Não é uma situação de comando ou de direção, em que um agente da Polícia Marítima está a bordo a dirigir, ou enfim a coordenar ou orientar; como está um agente da Policia Judiciaria, um Inspetor, a dirigir uma operação, e em que o navio da Marinha apenas cede os recursos para o efeito.

Não há nada de dramático nisso e isso faz-se em várias situações, exceto numa: os oficiais da Marinha de Guerra Portuguesa – sobretudo a um nível mais elevado – recusam a ideia de serem orientados, ou estarem sob controlo tático de agentes da Polícia Marítima. Ou de agentes da GNR - dá-se a mesma situação, também comparável.

E no ano passado eu concluí dizendo: eu não vejo que isto seja um drama excecional, penso que se pode resolver.

Um ano depois, depois de uma serie de evoluções e debates que tem havido, de um reconhecimento notável do Chefe do Estado-Maior da Armada, que também é Autoridade Marítima Nacional, que pela primeira vez usou a expressão num documento oficial, embora interno, de que a Marinha apoia a Autoridade Marítima Nacional. É a primeira vez que isto acontece e deve-lhe ter trazido dissabores internamente por o fazer. Mas fê-lo, e isto abre a porta para uma determinada evolução correta do sistema.

Mas tenho de reconhecer que é um passo. Mas há outros sinais dados, por pessoas na dependência dele - parece que não se integram nas orientações que ele deu - e que continuam a entender de outra maneira. E que continuam a entender e a fazer, e atuar de maneira, como se a Polícia Marítima ou a Autoridade Marítima Nacional fossem meros ramos da Marinha.

Ora face a este arrastar de pés, que eu pessoalmente interpreto como estando convencidos de que vai mudar o Governo e que, quando mudar o Governo, volta tudo a ser como o que era antes de 2011 - portanto isto é uma coisa meramente passageira, já ouvi pessoas com responsabilidade dizê-lo, que isto vai passar e que o novo Governo vai voltar a trazer tudo isto ao que era em 2011 - bom, a minha conclusão neste momento, e já o escrevi, e já tenho um artigo publicado sobre isso, é que, penso que, inevitavelmente, a forma de resolver isto é a mudança de tutela.

Quer dizer, tem que, definitivamente, sair a Autoridade Marítima Nacional e a Polícia Marítima do Ministério da Defesa, mesmo que continuem a ser alimentadas por pessoal, militares da Marinha, ou da Armada, que vão prestar uma comissão especial noutro Ministério, como se faz noutro tipo de situações; este pessoal que tem uma formação e algum conhecimento técnico de vantagem para o sistema é transportado para outras funções, acabando com esta promiscuidade, que, de facto, não é favorável ao Sistema, não é favorável ao exercício da Autoridade do Estado no mar, e permite esta situação que eu considero absolutamente anormal, como o senhor Doutor Antero Luís referiu, de os órgãos de soberania não tomarem, não assumirem as suas competências.

Mas não só não assumem, como há elementos da Administração Pública a assumirem-nas e a serem eles a definir como é que a lei se interpreta, e mais ainda, definindo como ela se interpreta em contradição com a Constituição e com outras leis, definindo o que é, verdadeiramente, um Estado dentro de outro Estado.

Portanto, como digo, a única maneira que eu vejo para resolver isto é a mudança de tutela.

 

Resposta do Juiz desembargador Antero Luís

Se me permite, só aqui uma achega em relação a isso.

Isso é um mau sinal.

É um mau sinal pelo seguinte: no dia em que for necessário identificar um terceiro estado que seja necessária a participação das Forças Armadas, põe-se aí um problema que é o da unidade de comando.

Nós sabemos como é que se resolve um estado de exceção. Sabemos que as Forças de Segurança ficam na dependência do comando operacional das Forças Armadas.

Num estado que não é de exceção, porque é que não há-de acontecer o inverso?

Se quem lidera o processo é alguém no âmbito do Sistema de Segurança Interna?

É que, se for assim, admitindo que isso faz doutrina, o que acontece na Marinha, penso que com os oficiais superiores de Marinha, que não aceitam que alguém exerça a autoridade nesse contexto, então eu antevejo um problema sério quando nós avançarmos para um alargamento do conceito e quando tentarmos densificar as questões.

Porque eu não estou a ver uma situação de apoio das Forças Armadas numa situação de Segurança Interna, por exemplo, um bloqueio em que seja necessário um emprego de uma força com alguma dimensão e que está na disponibilidade das Forças Armadas, ficarem então as Forças Armadas a comandar as Forças responsáveis por isso. Portanto, há aqui, e eu só estou a refletir, se isso fizer caminho, teremos um problema no futuro. E e eu espero que não faça caminho.

Porque, problemas já bastam os que temos. E ninguém resolve problemas se não houver unidade de comando.

Não é possível pensar que se consegue ter um problema grave de segurança interna, porque é só nessas circunstâncias que o problema se põe, que não chega ao ponto do estado de exceção, mas que é necessário a coadjuvação, e depois a seguir temos dois comandos.

Isso é que não! Isso é que não pode ser.

Portanto, eu espero que isso não faça de facto caminho e que haja aqui uma, uma alteração no raciocínio.

 

Resposta da Professora Marta Chantal Ribeiro

Muito obrigado ao Dr. Paulo Neves Coelho pela pergunta, e eu vou ser breve.

Só duas coisas, em relação aos recursos genéticos continua a aplicar-se o regime originário constante da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - o que já não sei, no âmbito dos recursos pesqueiros. E por conseguinte, quando eu à bocado falava da competência exclusiva da União Europeia no âmbito da politica das pescas, esta competência exclusiva não abrange todos os recursos genéticos.

É certo que o Tratado não é claro, porque se refere à competência exclusiva na conservação de recursos marinhos, mas depois acrescenta “no âmbito da política comum das pescas”. Portanto, claramente estes recursos marinhos são apenas recursos pesqueiros.

Por isso, onde é que situamos os recursos genéticos, e uma eventual intromissão da União Europeia neste recurso - ao qual não se dá muita importância, mas que pode ser um fonte de riqueza?

Esta penetração tentacular da União Europeia pode vir a acontecer, ou através da política do ambiente - e há já uma primeira diretiva neste domínio que versa sobre recursos genéticos na ótica do utilizador - ou eventualmente no âmbito da realização do mercado interno - e de garantir que, por exemplo, o princípio da não descriminação em razão da nacionalidade e do elevado estabelecimento de prestação de serviços esteja também garantida ao nível do acesso aos recursos genéticos.

Daí pode vir algum “perigo”, entre apas, e em relação a isso é preciso estar atentos.

No que diz respeito à competência exclusiva, não, porque a competência exclusiva neste momento refere-se apenas a recursos pesqueiros, e mesmo esta competência exclusiva mereceria um debate, mas num outro espaço, que não este.

 

Pergunta do Procurador Manuel Pacheco Ferreira

O meu nome é Manuel Pacheco Ferreira, sou Procurador da República na Instância Central Criminal de Lisboa-Tejo e a minha questão é dirigida ao senhor desembargador Antero Luís.

E a minha questão é a seguinte: se realmente considera que existe uma dicotomia entre a segurança e a investigação criminal e se a investigação criminal faz parte da segurança?

 

Resposta do Juiz desembargador Antero Luís

Bom,eu diria que se tratam de realidades que estão interligadas. Porque a investigação criminal visa preservar, no fundo o ambiente de segurança, que é a repressão da criminalidade.

A repressão da criminalidade é um dos fatores cruciais da prevenção, e a prevenção é segurança.

Portanto, eu diria que nós, para termos boa segurança, temos que ter boa investigação criminal. Para termos boa prevenção, temos de levar a investigação criminal o mais longe possível.

Eu diria que este raciocínio é um raciocínio permanente.

Esta ideia de que a investigação criminal é um trabalho do Ministério Público e de Polícias de investigação é uma coisa absolutamente do passado.

Porquê? Porque a investigação criminal é um processo em que o ato ilícito já aconteceu, mas esse ato ilícito pode-nos permitir evitar um conjunto de atos que ainda não aconteceram. E portanto, esta ligação tem de ser permanente.

E é por isso que as forças policiais têm secções de informações policiais. Porque elas percecionaram o fator da necessidade de antecipar aquilo que é a investigação criminal.

Como é que o fazem? Através das informações policiais.

O drama disto tudo, se quer a minha opinião, é o Ministério Público ser o parente pobre deste processo, e ser coxo, ainda por cima. Por uma razão simples! Porque não tem um sistema de informação.

Ou seja: há um conjunto de informação que vale muitíssimo para as policias e para a prevenção criminal, e até para a investigação que o ministério público tem, mas que não é disponível! Porquê? Porque o processo vai da polícia, chega ao ministério público, e o ministério público faz por si, enquanto detentor da ação penal, um conjunto de diligências. Morreram essas diligências, ninguém sabe que existem. Não há registo dessas diligências do ponto de vista de um sistema. Mas o Ministério Público, naquelas diligências que fez em papel e estão no processo, pode ter feito algo que é absolutamente crucial para um conjunto de realidades, mas isso não existe.

Portanto, quero-lhe dizer que uma das exigências fundamentais neste momento, na minha perspetiva, é o Ministério Público ter o seu sistema de investigação criminal ligado ao das polícias, e haver aqui, até no futuro, a ligação aos tribunais e aos julgamentos.

Porquê? Porque também nessa fase há um conjunto de informação que é obtida que também morre.

Eu dou-lhe um exemplo simples: uma testemunha que num inquérito da polícia tem uma morada, chega o inquérito Ministério Público passa a ter outra. Chega ao julgamento, passa a ter outra. Se amanhã aquela mesma pessoa for procurada por uma polícia, num outro processo, ninguém sabe que aquela morada existia. Isto é inaceitável.

E você tem uma pessoa, ou duas pessoas - um ou dois polícias - dias consecutivos à procura de uma morada que está na disponibilidade do Estado, porque o Estado não tem uma visão integrada de todo o processo.

E portanto, esta é que é a verdadeiramente a questão.

É claro que as pessoas dir-me-ão: bom, mas isto é perigoso do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias… É, se não for fiscalizado.

Isto não é para a gente brincar, é para o exercício de competências. O exercício de autoridade pressupõe um fim. Quando alguém diz: o senhor tem esta missão, dão-lhe um conjunto de meios para a ter.

E portanto, o que é fundamental é que aquele fim não seja excedido em função dos meios que lhe são atribuídos. Tem que haver é mecanismos de fiscalização, e é isso que eu penso que é isso que seria necessário.

 

Pergunta do Agente PM Rui Veiga

Bom dia a todos.

Eu sou agente da Polícia Marítima, chamo-me Rui Veiga e gostava de colocar 3 questões.

Parece que já não há grande dúvida na sociedade portuguesa de que a Polícia Marítima é uma Polícia. Parece que já há algum reconhecimento, mas há falta de identidade.

E nesta confusão reinante de termos chegado aqui à conclusão do que é, o que faz e onde é que se situa a PM, eu gostava de perguntar especialmente ao Dr. Juiz desembargador Antero Luís três coisas muito simples:

Primeiro, quem é que está nos diversos gabinetes, como o SIRENE: é a Polícia Marítima ou é um oficial de Marinha? É que é preciso esclarecer, porque aquele pode estar a desenvolver um papel mas não é da Polícia Marítima.

Segunda: como é que é possível que, não havendo dúvidas que a Polícia Marítima é uma polícia, e nos dias que correm, em 2014, como é possível que em diversos diplomas, a Polícia Marítima não apareça? Tem de se fazer uma adenda, por vezes, como foi feito em tempos com na Lei do Sistema de Identificação de Processo-crime.

Terceira e última pergunta: como é possível que o Ministério Público em muitos sítios nem sequer faça ideia do que é a Polícia Marítima? Já não digo sobre o que esta faz ou quais as suas competências, mas o que é a Polícia Marítima?

 

Resposta do Juiz Desembargador Antero Luís

Em relação á primeira pergunta, eu não lhe consigo responder. De facto, se é um polícia, não lhe consigo responder, mas eu explico-lhe porquê! Porque ele não está lá permanentemente.

Como sabe, a inserção de alguns itens no sistema SHENGEN por parte da Polícia Marítima, é uma coisa recente. E há poucas coisas a inserir pela Polícia Marítima, como ainda haverá menos a inserir pela Autoridade Aeronáutica.

E como isso é uma coisa recente, eu não lhe consigo responder.

Eu penso que não há dúvidas, e o problema aqui é sempre o mesmo. É que, de facto, quem faz as Leis, nem sempre sabe a realidade em que elas vivem. E admito que se esqueceram da Polícia Marítima, como se esquecem de outras coisas. Portanto, não é um problema da Polícia Marítima.

É evidente que a Polícia Marítima tem aqui um problema que é esta coisa de, não sabe bem o que é! Alguns acham que é uma coisa diferente do que aquilo que ela é.

Eu não tenho dúvida - e isso para mim é um dado adquirido - que a Polícia Marítima é uma Polícia. Não tenho dúvidas que a Polícia Marítima faz parte do Sistema de Segurança Interna. Não tenho dúvidas de que faz parte do Gabinete Coordenador de Segurança. E não tenho dúvidas de que está na PIIC e na plataforma. E não tenho dúvidas de que tem competências de investigação criminal na sua área de jurisdição. Ponto.

Eu disso não tenho dúvidas nenhumas.

Algum legislador tem dúvidas de algumas coisas! É verdade. Mas eu diria sempre que há aqui um caminho a fazer. E o caminho faz-se caminhando, e eu acho que é pela afirmação da Polícia Marítima que se há-de chegar lá. E, claramente pela clarificação das questões que neste momento estão por clarificar.

Eu penso que já se deram alguns passos. Alguns recordam que os tribunais já permitiram alguma clarificação nesta coisa de saber o que é que é a Polícia Marítima, tanto quanto me recordo em relação a algumas posições que foram dadas e que depois se entendeu que não haveria autoridade para as dar. E havia aqui uma situação diferenciada daquela que acontece hoje.

No que diz respeito ao Ministério público, não sei se faz ideia do que é a Polícia Marítima, ou se não faz - porque nunca perguntei - mas acredito que sim, porque um magistrado do Ministério Público deve fazer ideia de tudo isto que representa o Estado em toda sua dimensão. Não há nenhuma plataforma do Estado que tenha um papel tão alargado como o Ministério Público, e admito que o Ministério Público tenha a ideia exata do que é a Polícia Marítima.

 

Pergunta do Subchefe PM Manuel Faustino

Muito Bom dias a todos.

Eu gostava de agradecer à Associação por este seminário, que só peca por ter uma semana de atraso porque a Polícia Marítima fez 95 anos este mês. Em 1919 saiu o primeiro decreto de criação da Polícia Marítima do Porto de Lisboa, com poderes de investigação, que é aquilo de que estamos a falar aqui.

Aliás, é o meu serviço, sou o chefe do serviço de investigação criminal da Polícia Marítima de Lisboa e, portanto, fazemos 95 anos.

Quem quisesse ver o decreto de criação verificaria logo que nessa altura era uma Polícia de Investigação criminal, porque foram destacados dois homens da antiga Polícia de Investigação criminal, para a Polícia Marítima. Portanto, a Polícia Marítima nasceu com uma mescla de experiência de mar e experiência de investigação da PIC. E isso leva-nos logo para a investigação criminal.

Daí que, se há algumas dúvidas sobre o que é a Polícia Marítima, vão espreitar o decreto de 95 anos atrás, e sabemos todos o que é uma polícia de investigação criminal. Não haja dúvidas.

Como chefe da divisão de investigação criminal sei que as comarcas daqui da zona de Lisboa sabem bem o que é a Polícia Marítima, porque os inquéritos estão a nascer lá na secretária e nunca mais acabam. E isto porque a Polícia Marítima tem, efetivamente, uma especificidade.

É um bocado estranho - eu aqui há tempos ouvi um senhor a dizer que as polícias lidavam mal com o crime no mar. Eu chamaria o crime praticado em ambiente marítimo. Em Portugal ainda não se fala nesse conceito de ambiente marítimo. Em França e Inglaterra fala-se no conceito de crime em ambiente marítimo.

Eu julgo que há 95 anos o legislador se lembrou disso. Falava lá nos furtos, na investigação de furtos, e numa outra data de investigações de crimes lesivos do Estado, lesivos do cidadão, e que colocou numa polícia de especialidade todo esse know how, que a partir de 1975 começou a decair.

Chegou à década de 80 e quase aparece a Polícia Marítima absorvida pela Marinha. Não tenho nada contra a Marinha, antes pelo contrário, nasci na Marinha – praticamente – fui marinheiro durante muitos anos, mas optei pela Polícia Marítima – também tive nos bancos desta faculdade, graças a Deus, portanto, não tenho nenhum desprimor por isso.

Para não me alargar muito, eu ouvi com muita atenção o Sr. Juiz desembargador Antero Luís, e devo dizer que fiz parte do grupo de acompanhamento de implementação da PIIC pela Polícia Marítima, e estive lá no Gabinete Coordenador, e há pouco tempo falou alguém nos bancos, que fazia parte lá, e sei que sabem o que é a Polícia Marítima e qual foi a nossa posição na PIIC, e o que é a nossa posição na PIIC, uma posição ativa, e provavelmente não estarei enganado, nós somos aqueles que têm desenvolvido a PIIC, mais trabalho em prol da PIIC. Esperamos que assim continue.

O crime em ambiente marítimo e a investigação criminal - é uma coisa estranha para alguns que a Polícia Marítima possa fazer, ou que não estão bem habituados, inclusivamente mesmo nas outras polícias – é que, quando há um ilícito criminal em ambiente marítimo, o corpo normalmente não fica no mesmo sítio. Nós temos sempre um cuidado especial em trabalhar com ele. E aí é bom que o legislador tenha alguma atenção quando se trata de fazer leis como a LOIC. Ainda bem que a LOIC foi alterada em 2008 e lá fala claramente em dois princípios, que são os da racionalização e da afetação dos recursos, que pressupõe que as polícias de especialidade deverão ser chamadas nesta situação, pelo Ministério Público.

Relativamente à questão, o Sr. juiz desembargador falou na guarda costeira, no conceito de guarda costeira, quando falou da autoridade marítima.

De qualquer maneira fez confusão com o conceito de guarda costeira que está intimamente ligado à Autoridade Marítima Nacional. E esse modelo de guarda costeira - porque depois teremos de ter uma guarda costeira total, dotada de um órgão de polícia criminal e de investigação – eu estranho, e queria ouvir a sua opinião - pondo-se duas fatias de uma guarda costeira numa autoridade marítima, que foram retalhadas não só das competências de polícia, mas as competências de investigação, que são elas o Port State Control e o Flag State. Ou seja, quem exerce funções de Flag State deixou de ser da autoridade marítima.

E nós sabemos que num incidente marítimo com vítimas, com mortos, a competência para a investigação é exclusiva do Capitão do Porto, porque o legislador quando criou o Estatuto da Polícia Marítima espartilhou o Estatuto de todas essas matérias que estavam no antigo regime geral das capitanias em que vinha lá tipificado quais eram as competências do Corpo da Polícia Marítima.

Ou seja, ao retirar as funções de Flag State, o próprio Estado retira a uma polícia um instrumento essencial para a investigação de sinistros marítimos. E até me estou a lembrar de um incidente que aconteceu em Itália com um paquete, e nós temos uma porta de entrada cada vez maior.

Eu fazia a pergunta é, se não está na altura de se fazer uma inflexão, e voltar atrás ao decreto de 95 anos atrás, e dotar a Polícia Marítima de todas essas competências?

 

Resposta do Juiz desembargador Antero Luís

Bom, eu sou franco, não conheço bem as competências da Polícia Marítima, e não me preparei para vir para aqui falar especificamente disso. Mas eu normalmente só tenho alguns problemas entre a Polícia Marítima e a GNR, e essas coisas, agora já sobre, exatamente, as competências, nunca tive.

O que eu acho é que isto tudo, como vos disse há bocado merece uma reflexão e merece ser revisitado, e aprofundado sem capelinhas, sem o conjunto de pequenos poderes, numa perspetiva da eficácia e da clarificação. E isso é que eu acho que é fundamental.

Até já depois da Lei de 2008 fizemos algumas coisas que vão no sentido de mudar aquilo que era o problema e que estava a ser tratado, e que era o exemplo que vos dei da Cibersegurança, mas há outros.

E, portanto, aquilo que era fundamental é, no fundo, fazer o que se fez o IPRI, quando fez aquele estudo – agora é o GRESI, vamos esperar que o GRESI chegue a algum lado – e fazer uma nova reflexão e ver para onde é que se quer caminhar. Mas isso só é possível fazer com o consenso de todos.

Não é possível fazer, e vir o governo a seguir, como disse o capitão-de-mar-e-guerra, e a seguir muda o governo, muda tudo. Não é possível.

Estamos a falar de segurança, de justiça, dos pilares fundamentais.

Portanto, ou há um consenso, para estabilizar as instituições, os conceitos e as posições, ou então nunca mais o faremos. E é isso que eu espero. É que um Governo que inicie funções, a primeira preocupação é dizer assim: em questões de soberania temos estas ideias. Quem tem as mesmas ideias que nós? E vamos fazer um pacto. Se não se fizer - e não é no fim. É no início. Aliás, o ideal era que todos os partidos que concorrem para as eleições tivessem ideias precisas sobre os poderes de soberania do Estado e o que pretendem em relação a cada um deles, que era para depois as pessoas sufragarem.

Não é possível dizer: mexer na Lei de Segurança Interna, mexer na Lei de Investigação. Isso não é nada. Isto é preciso dizer o que se quer, ser claro, e as pessoas a seguir cumprem aquilo em função do resultado que obtiveram no processo eleitoral. Mas só com um consenso, senão não há maneira.

Eu não lhe sei responder se é por aí que devemos ir, se recuperar o diploma de há 95 anos, não faço ideia. O que eu sei é que alguma coisa tem que ser feita, mas também não tenho propriamente os planos da pólvora e a roda já foi inventada há muito tempo.

Pergunta do jornalista Manuel Carlos Freire

Houve em tempos uma questão preliminar sobre a aeronáutica civil e eu gostava de obter a sua opinião sobre esse processo legislativo que levou à criação da Autoridade Aeronáutica Nacional, que parece não fazer muito sentido, e gostava de o ouvir.

Outro ponto tem a ver com aquilo que disse há pouco sobre a questão do bom senso entre o CEMFA e o Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.

E o anterior CEMFA, general Luís Araújo esteve no parlamento há dias numa audição e falou num episódio, num exercício que ocorreu na Madeira e que teve problemas consigo e com as forças de segurança incluídas, e gostava de ouvir a sua versão sobre o que é que se passou, como é que se passou, nesse exercício, e até que ponto isso pode servir como exemplo daquilo que se tem estado a discutir aqui e sobre o alerta que lançou há pouco de haver dois comandos para uma situação real.

 

Resposta do Juiz desembargador Antero Luís

Em relação à Autoridade Aeronáutica Nacional, verdadeiramente o que o diploma faz é uma Polícia Aérea. Verdadeiramente é isso. Não é mais do que isso.

Mas o exercício de poderes de polícia aérea numa área só pode, de facto, exercido pela Força Aérea. Não há outra solução.

Ou seja, ela não é a Autoridade Aeronáutica Nacional, para esse efeito, é-o nessa perspetiva, e não na perspetiva do que é o papel desempenhado pelo INAC. Eu acho que houve aí, por contraponto, dizer assim: bom, quem é que controla o espaço aéreo do ponto de vista das infrações, coloca-se aí que não prosseguem essas competências.

É evidente que isto vai-se traduzir no alargamento do gabinete coordenador de segurança, com mais uma entidade, e provavelmente, também, no conselho superior de segurança interna, com mais uma outra entidade. Como, aliás, sabem, o CEMA tem lá assento, já tem o Chefe de Estado-Maior General, e passará a ter o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea.

E, provavelmente a consequência é essa, e não será outra.

Sobre o incidente, o problema da Madeira, bom, uma coisa é certa, não tive nenhum problema, eu, pessoalmente, com o Sr. General Araújo, nem com esse, nem com outro general ou nenhuma outra pessoa.

O que se passou, e o que é a realidade é que as Forças Armadas decidiram fazer um exercício na Madeira para testar as capacidades, e esse exercício tinha uma série de componentes que não são componentes da resposta da responsabilidade das Forças Armadas. Que eram da responsabilidade das Forças e Serviços de Segurança.

O que é que isto quer dizer?

Eles desenharam um exercício com uma área que é da competência das Forças e Serviços de Segurança, nomeadamente a circunstância de terem sido tomados reféns no aeroporto desse país imaginário, mas que se desenrolava em Porto Santo, e que o que pretendiam as Forças Armadas era serem elementos das Forças Armadas a resolver o incidente.

Ora bom, isto é contra a lei. Se fosse uma situação real não era possível. Tinham de ser as Forças e Serviços de Segurança, visto que era um incidente tático-policial, que é uma área da competência, naquele caso, penso que da PSP.

E desenharam o exercício sem falar comigo. Chegam lá com o papel com o exercício feito, e quando se vai olhar para o exercício, há uma série de competências que são das Forças e serviços de Segurança, e, portanto, esta matéria temos de ser nós a tratar.

Mas agora, que já desenhamos o exercício, ou redesenhamos o exercício, de maneira a que uns façam uma coisa e os outros façam outra, ou então, há aqui um problema. Nós não vamos participar convosco num exercício em que vocês vão assumir competências que são nossas. O que é compreensível.

E assim foi. As Forças Armadas entenderam por bem manter o exercício e nesse contexto foi-lhes dito então que as Forças e Serviços de Segurança não participam. E façam o exercício que entenderem.

Porque é que não há problema? Porque é um exercício e o país imaginário não era Porto Santo. Era uma ilha qualquer, à boa maneira militar, e era um exercício que estava desenhado para um país qualquer.

É evidente que este exercício era importante para interação das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança. Mas para os fazer tem que, previamente, o exercício ser desenhado por todos, e cada um, em função do que a lei diz, cumprir exatamente o papel que lhe está destinado no exercício.

Ora não era o caso. O que estava previsto era os fuzileiros saírem num barco ou num submarino, já não me recordo, numa situação dessas, e iam tomar o aeroporto desse ficcionado país. E, portanto, resolver o problema dos reféns que lá estavam, que tinham chegado ao porto, tinham pegado nos reféns e depois viria um de avião busca-los ao aeroporto, presumíveis terroristas, e entretanto iriam embora. E este é que era o exercício que lá estava. E era neste contexto.

Por acaso esse exercício até era interessante, pelo que percebi depois, e até as próprias Forças Armadas detetaram alguns problemas que só no exercício é que é possível treinar.

Mas isto é sintomático do que nós temos.

Só para lhe dar um exemplo, porque está previsto na lei, os equipamentos entre as Forças de Segurança e as Forças Armadas devem ser interoperáveis.

E está previsto na lei, e em rigor se fosse cumprido, que nem as Forças Armadas, nem as Forças de Segurança faziam o lançamento de um concurso para a aquisição de materiais, nomeadamente de comunicações, armas, etc, sem falarem uns com os outros. Porque em situações em que é necessária cooperação, faz mais sentido ter o mesmo tipo de munição do que terem munições diferentes.

Mas isto para dizer que, mesmo aquilo que está na lei, ou as Forças Armadas Ou as Forças de Segurança têm que se comunicar sobre um concurso para equipamentos militares.

Isto para vos dizer que o problema foi este, que não é problema ou é um falso problema porque aquilo é um cenário imaginário. Não é problema nenhum, é um exercício.

Este ano sei que está previsto outro exercício, até em maior escala, e espero que corra bem, não comigo, claro, e seja possível desenhar o exercício de maneira a que cada um cumpra o seu papel, tal como resulta da lei e dos respetivos planos.

 

Intervenção do Almirante Medeiros Alves

Muito obrigado Senhor Doutor Juiz.

Eu de qualquer maneira não quero entrar nas violações das restrições à questão das perguntas e, portanto, peço permissão para entrar no âmbito do debate.

E tendo em conta este pequeno pormenor, eu gostava só de acrescentar, porque foram levantadas aqui questões relativas ao exercício da autoridade do Estado no mar e que gostaria de complementar, somente, com o conhecimento que tenho.

Não se entende que o exercício da Autoridade do Estado no Mar se verifique sem o Estado de Direito, Estado Costeiro e o Estado Portuário estarem integrados. O que não acontece em Portugal, porque o marítimo e o portuário estão isolados na Administração Marítima e o controle do Estado Costeiro é feito simultaneamente pela Administração Marítima e pela Autoridade Marítima.

Por outro lado gostava de acrescentar, porque pode servir como contributo nos tais fóruns de discussão, que a exemplo do que acontece em Itália, o pessoal da Guarda Costeira é formado na Marinha Italiana e depois passa para a Guarda Costeira que é uma tutela dos transportes.

Por outro lado, em França, como outro exemplo, quem forma o pessoal designado de Autoridade Marítima, que lá se chama Affaires Maritimes, é uma escola militar do Ministério dos Transportes, e quando acaba a sua formação, onde concorrem pessoas da Marinha Mercante, civis, que não passaram pela Marinha ou da Marinha de Guerra depois de lá saírem, e entram dentro desse quadro, Affaires Maritimes, e ficam subordinados a uma figura que é o Perfeito Marítimo. Perfeito Marítimo esse que está subordinado ao Diretor-Geral da Autoridade Marítima, com a qualidade de Secretário-Geral. Tem uma Polícia que é a Gendarmerie marítime, e essa policia tem uma característica que não se verifica na nossa Polícia Marítima. É que os aspectos da investigação criminal estão atribuídos ao Procurador que determina como é que os processos são conduzidos, ou chama a si, ou atribui a outra Polícia, é diferente. Mas não está no Perfeito.

Portanto, os Franceses chamaram a este modelo: função de Guarda Costeira. E os Italianos chamam Guarda Costeira.

A indeterminação que existe no nosso país faz com que haja a veleidade,e mesmo o atrevimento, por parte de elementos do Estado que se assumam como Guarda Costeira do mar. O que não me parece minimamente aceitável! Não estando sequer essa competência contida, essa autoridade existente e esta ocorrência não se prevê!

O senhor Doutor juiz desembargador Antero Luís, falou em termos de Centro Nacional de Controle Marítimo, há que resalvar que uma das entidades que faz parte também, e que em termos legais tenho sérias dúvidas, que é Marinha/ Autoridade Marítima Nacional, e que em termos jurídicos põe em duvida qualquer existência e finalidade.

Por outro lado, a questão que aqui já foi aflorada de onde é que está a Autoridade? Que é sempre onde se coloca a questão: quem é que manda?

Em 2010 houve um Ministro que disse que a questão de quem é que manda não se punha e pressupõe-se que se sabe quem manda! Porque tínhamos que ser muito cosmopolitas e menos paroquiais, e ficamos por aqui para resolver - isto foi dito num congresso de Segurança Nacional, que também não existe - e portanto esta questão leva para: onde é que está a Autoridade?

Por outro lado, o primeiro Secretário-Geral de Segurança Interna colocou a questão do exercício de Autoridade das Forças de Segurança e por as Forças Armadas em determinadas situações subordinadas às Forças de Segurança, levantando a questão da unidade de Comando, que se coloca e bem. E houve o posicionamento perante a Constituição em que as Forças Armadas não podiam ser consideradas como sacervodos Sreviços e Forças de Segurança.

Era este o meu contributo que queria dar.

{slider 2ª Painel}

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“A criminalidade e a investigação criminal marítima”

 Oradores:

Dr. Manuel Pacheco Ferreira, procurador-adjunto do MP, Secretário-geral do SMMP;

Dr. Manuel Catarino, Jornalista, Redator Principal do jornal Correio da Manhã;

Prof. Rui Pereira, Docente do ISCSP e ISCPSI, Presidente do OSCOT;

Dr. Carlos Anjos, ex-Inspetor da PJ, Presidente da Comissão de proteção às Vítimas de Crimes;

Comandante Hélder Almeida, Capitão da Marinha Mercante, ex-Cte do “Ponta de Sagres”.

 

 Moderador: Dr. Luís Carvalho – Vice-Presidente da MAG da ASPPM.

 

Procurador Manuel Pacheco Ferreira

Foto MPF

Muito boa tarde a todos

Em primeiro lugar quero agradecer à Associação Sócio-Profissional da Polícia Marítima o convite que me foi endereçado, não só em nome pessoal, mas também do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Peço desculpa pela singeleza da minha intervenção e da mesma refletir uma visão que não será propriamente de quem está habituado a lidar com as questões marítimas, já que o meu pmar é a investigação criminal.

É para mim um privilégio intervir, em representação do SMMP, nesta 2ª Conferência sobre o Sistema de Autoridade Marítima subordinado ao tema a dicotomia Segurança/Investigação Criminal, organizado pela Associação Sócio -Profissional da Polícia Marítima.

Na verdade, o tema central escolhido para esta conferência coloca questões que há muito preocupam o Ministério Público, às quais é particularmente sensível o SMMP, tal como decorre das reiteradas intervenções no espaço público por parte do nosso presidente Dr. Rui Cardoso, intervenções de que destaco um artigo publicado na revista Terra de Lei, com o título Investigação Criminal – diagnóstico de um sistema propositadamente doente. E destaco este artigo porque, de certa forma, vou seguindo de perto aquilo que nele se defende.

Esta dicotomia Segurança/Investigação Criminal se é comum à generalidade dos órgãos de polícia criminal que dependem organicamente do governo e funcionalmente do Ministério Público, coloca-se de forma muito peculiar no Sistema da Autoridade Marítima, tendo em conta, o número e a diversidade das entidades e órgãos que o compõe (forças e serviços de segurança, institutos e direções gerais, civis e militares, órgãos de polícia criminal e agentes administrativos).

Uma das atribuições do Sistema da Autoridade Marítima é a prevenção e repressão da criminalidade, nomeadamente no que concerne ao combate ao narcotráfico, ao terrorismo e à pirataria.

Porém, quando se regula a coordenação do Sistema de Autoridade Marítima, o que preocupa o legislador é a segurança, esquecendo-se de todo da coordenação da investigação criminal, sendo certo que no que a esta respeita, o Ministério Público tem obrigatoriamente de assumir um papel central.

Na realidade a Constituição da República reserva ao Ministério Público a incumbência de exercer a ação penal.

No cumprimento de tal imperativo constitucional, o Código de Processo Penal instituiu uma primeira fase processual – o inquérito - na qual se prepara a decisão de acusar ou de não acusar, realizada sob a titularidade e a direção do Ministério Público.

Para a efetivação dessa finalidade - preparar a decisão de acusar ou de não acusar - os órgãos de polícia criminal atuam sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional (artigos 56º e 263º).

Esta solução foi escrutinada pelo Tribunal Constitucional que sempre que foi instado a pronunciar-se, reiterou o princípio de que é o Ministério Público o detentor da ação penal e que, por isso mesmo, é inequivocamente constitucional a solução do Código de Processo Penal de atribuir ao Ministério Público a direção do inquérito.

Ora a atribuição ao Ministério Público da direção do inquérito, implica que ao mesmo caibam especiais competências, poderes e funções.

A existência de um elevado número de entidades com funções policiais, com estatuto de órgãos de polícias criminal, com competências de investigação, muitas vezes sobrepostas, diverso enquadramento orgânico e hierárquico e multiformes estatutos, impõem que os magistrados do Ministério Público, no âmbito dos poderes diretivos do inquérito, assumam a coordenação das diversas entidades policiais, não só ao nível processual, como também ao nível da partilha da informação, de modo a aplicar e fazer cumprir, com objetividade, as normas e princípios constantes da Constituição, do Código de Processo Penal e da Lei.

Efetivamente, ao nível da investigação em aberto nos processos, cabe ao Ministério Público fazer circular a informação entre os diversos órgãos de polícia criminal, traçar com rigor qual o papel que a cada um cabe e fazer sentir que o alcançar dos objetivos em aberto em cada processo e em todos os que com ele estejam relacionados, só será possível com o empenho e esforço de todos.

Tal coordenação, por ser uma atividade crucial à decisão de encerramento do inquérito, deverá caber ao Ministério Público.

Este quadro é rico de potencialidades mas também suscetível de equívocos.

Já vimos que no Sistema da Autoridade Marítima o Ministério Público está arredado da coordenação da investigação criminal, apesar do combate à criminalidade por via marítima ter sido um dos fundamentos da criação desse Sistema e de constituir uma das suas prioridades.

Mas a própria Lei de Organização da Investigação Criminal - LOIC – ao criar o Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, limita-se a prever a participação do Procurador-Geral da República nas suas reuniões, sempre que o entenda.

Ou seja, normalmente o Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal reunirá sem a presença do Ministério Público.

Daí que a própria lei preveja a possibilidade do Conselho solicitar, repito solicitar (e não sugerir) ao Procurador-Geral da República a adoção, no âmbito das respetivas competências, das providências que se revelem adequadas a uma eficaz ação de prevenção e investigação criminais.

Ora, como refere o Dr. Rui Cardoso no artigo citado, sem a presença do Ministério Público nas reuniões do Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, como é possível coordenar a ação dos diversos Órgãos de Polícia Criminal sem aceder à informação constante dos processos, em concreto?

Sem conhecer do objeto de cada uma das investigações?

Sem qualificar jurídico-penalmente os factos?

Como se compatibiliza este sistema com as competências atribuídas no Estatuto do Ministério Público ao Procurador-Geral da República e aos procuradores gerais distritais?

Mas a questão também se coloca ao nível da partilha da informação criminal, sendo informação criminal aquela que é produzida na investigação criminal, atividade executada pelo Ministério Público, com a coadjuvação dos órgãos de polícia criminal.

Tendo os todos órgãos de polícia criminal autonomia e não existindo nenhum com poderes de supra ordenação sobre os demais, o vértice, a pedra angular do sistema de partilha, deveria ser, o Ministério Público.

Mas não é isso que sucede.

Não só não tem esse papel central, como lhe está vedado o acesso a essa informação

O Sistema Integrado de Informação Criminal foi criado pela Lei de Organização da Investigação Criminal e pretende assegurar a partilha de informação entre os OPC, sem prejuízo do segredo de justiça e do segredo de Estado.

Mas a lei deixa bem claro qual o papel das autoridades judiciárias: apenas podem aceder à informação constante do sistema integrado de informação criminal relativamente aos processos de que sejam titulares.

Ou seja, os magistrados do Ministério Público ou judiciais só podem ir ao sistema ver aquilo que têm obrigação de conhecer, o que é dos próprio processos. Não podem conhecer os processos uns dos outros.

Não só o MP não administra o sistema, como o acesso dos magistrados é limitado aos processos de que sejam titulares.

E atribui a Lei da Organização da Investigação Criminal ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna a competência para assegurar o funcionamento e o acesso de todos os órgãos de polícia criminal ao sistema integrado de informação criminal.

O vértice do sistema é, então, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e não o Ministério Público, que de verdadeiro titular da informação que foi produzida sob a sua direção, por sua delegação de competências, passa a ser mero consultor, e consultor condicionado, dessa mesma informação.

Questão delicada que esta solução comporta é, desde logo, que as informações decorrentes da investigação criminal podem ter sido obtidas através de meios de prova ou de obtenção de prova que a Constituição só permite que sejam utilizados para fins de investigação criminal, o que desde logo inviabiliza a possibilidade da sua utilização pelas forças e serviços de segurança, a não ser para prevenir ameaças graves e imediatas à segurança interna.

E aqui coloca-se imediatamente uma outra questão que é a de saber quem é que vai definir se uma ameaça é ou não grave e imediata.

Por fim, é de realçar que este Sistema Integrado de Informação Criminal é de todo incompatível com o disposto na Lei 34/2009 que estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial, que inclui, como é óbvio, os dados constantes dos inquéritos em processo penal. A gestão destes dados cabe à Procuradoria-Geral da República.

Note-se que estamos a falar de coordenação no âmbito da investigação criminal, porque para coordenação das forças e serviços de segurança a Lei de Segurança Interna criou um Sistema de Segurança Interna composto pelo CONSELHO SUPERIOR DE SEGURANÇA INTERNA, pelo seu SECRETÁRIO-GERAL e pelo CONSELHO COORDENADOR DE SEGURANÇA.

Os principais órgãos de polícia criminal, como a PJ, a GNR, a PSP, o SEF, são simultaneamente forças e serviços de segurança, e, assim, estão sujeitos em matéria de segurança interna à coordenação do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

Enquanto órgãos de polícia criminal a coordenação faz-se no Conselho Coordenador dos órgãos de polícia criminal, presidido pelos Ministros da Administração Interna e da Justiça, mas a coordenação efetiva dos órgãos de polícia criminal é assegurada pelo Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

Ora, esta dualidade segurança/investigação criminal, tema desta central desta conferência, obriga a que as principais entidades policiais, tenham de se coordenar entre si no âmbito das suas competências como dois órgãos distintos: como forças e serviços de segurança e tenham de igualmente o fazer, em órgão paralelo, enquanto órgãos de polícia criminal.

Mas essa dualidade, na prática, fica completamente esbatida pela circunstância da coordenação, quer num caso quer no outro, ser assegurada pela mesma entidade – o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

Também o Sistema de Autoridade Marítima causa algumas perplexidades, pelo menos um observador externo, como é meu caso, mesmo depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 235/2012.

Integram o Sistema, além de outras entidades, a Autoridade Marítima Nacional e a Polícia Marítima.

A Autoridade Marítima Nacional – que é por inerência o Chefe de Estado-Maior da Armada – coordena as atividades da Marinha e da Direção Geral da Autoridade Marítima.

A Polícia Marítima faz parte integrante da Autoridade Marítima Nacional.

Os departamentos marítimos são órgãos regionais da DGAM.

As capitanias dos portos asseguram a execução das atividades que incumbem aos respetivos departamentos marítimos, nos espaços marítimos sob a sua jurisdição.

Os chefes dos departamentos marítimos são comandantes regionais da Polícia Marítima e os capitães dos portos são comandantes locais da Polícia Marítima.

Ou seja, os chefes dos departamentos marítimos e os capitães dos portos integram a estrutura militar do Estado, são agentes administrativos e órgãos de polícia criminal e integram em simultâneo a Direção Geral de Autoridade Marítima e a Polícia Marítima.

Enquanto o que está em causa é a função administrativa destas entidades, nada há a dizer, a não ser que nos parece confuso o sistema organizacional.

Mas quando a Polícia Marítima exerce funções de órgão de Polícia Criminal, há que lhe garantir um grau de autonomia que lhe permita proceder à investigação criminal de acordo com o que for determinado nos processos em concreto pelo Ministério Público, sem interferências e sem quebras de lealdade funcional e do segredo de justiça.

Sem segurança e sem ordem pública não há como assegurar direitos.

De resto na justiça criminal, no dia a dia, o que nós pretendemos, mais não é do que repor a paz pública através da reintegração dos valores jurídicos protegidos pelas normas criminais violadas.

Mas parece-nos que nesta dicotomia segurança/investigação criminal deve existir, diria, um justo equilíbrio.

E também aqui, no Sistema de Autoridade Marítima, perante as soluções encontradas, parece-me que o legislador, manifestamente desequilibrou a dicotomia segurança/investigação criminal fazendo prevalecer os interesses da segurança sobre a investigação criminal.

Acontece que no imbricado sistema em vigor, a Polícia Marítima só com muito esforço poderá encontrar um espaço que lhe permita exercer cabalmente as suas funções como órgão de polícia criminal.

Quando há limites constitucionais à interpenetração das funções do Estado Defesa Nacional/Segurança Interna, então o que dizer desta linha de comando militar em relação a uma estrutura que tem funções, não só de segurança interna, mas também de investigação criminal.

Compreendo que num mundo em que o desenvolvimento económico, o progresso científico e tecnológico, a constante evolução ao nível das comunicações, a massificação do acesso à informação, geraram novas interdependências, aproximaram os povos, modificaram e limitaram soberanias, alteraram os centros de poder e de decisão, deram uma dimensão internacional às sociedades modernas, mundializaram os problemas, a resposta da sociedade à criminalidade, cada vez mais transnacional, cada vez mais organizada, tem de passar por formas concertadas e imaginativas que permitam adotar meios de combate mais eficazes, mais inovadores, mais globais, mais implacáveis.

Mas enquanto detentor do exercício da ação penal e da direção e realização do inquérito, nos termos definidos na Constituição, no seu estatuto e no Código de Processo Penal, tem necessariamente o Ministério Público uma especial responsabilidade no encontrar dessas soluções.

Só assim, poderá o Ministério Público garantir aos cidadãos que a compressão dos seus direitos liberdades e garantias derivada da investigação criminal, não ultrapassará o constitucionalmente admissível.

Muito obrigado.

 

{slider Intervenções no Debate do 2ª Painel}

DEBATE

Pergunta do Subchefe Manuel Faustino

Antes de mais, e mais uma vez, obrigado à Associação.

Relativamente à questão do senhor procurador, à intervenção que fez, e às questões da investigação criminal, eu tinha uma pergunta muito direta para fazer ao senhor procurador, prende-se com a questão da preparação - vamos colocar a palavra assim, desta maneira se me é permitida - a própria preparação do Ministério Público, para lidar com o crime em ambiente marítimo.

Eu digo isto porque, é meu entendimento que a criminalidade em ambiente marítimo pouco tem a haver com o tipo de criminalidade que a nós, vulgarmente, se coloca no território.

Isto porque, como eu disse de manhã, o corpo - e neste caso, estou de acordo com o doutor Carlos Anjos, se for homicídio é da Polícia Judiciária, ninguém tem dúvidas, se for um sinistro marítimo é da Polícia Marítima. Estamos claros quanto a essa questão - mas a questão do ilícito marítimo é que o corpo, ou o objeto ilícito, não fica no local. Temos de tomar medidas.

Quanto a mim a LOIC parece-me - e não só a LOIC, e neste caso também a sua opinião, me parece - que tirando as competências reservadas da Polícia Judiciária, o orgão de polícia criminal com competências de especialidade, salvo opinião do Ministério Público, que deu por conta da notícia do crime, que faz as medidas de polícia, as cautelares e urgentes e que segue por aí fora, é o OPC que está em melhores condições para continuar a investigação.

A pergunta que eu faço é se o Ministério Público está preparado para, nos casos dos crimes realizados em âmbito marítimo, saber qual é o OPC que está em melhores condições – tirando os casos que é da competência reservada da Polícia Judiciária?

Relativamente, e pegando outra vez nos casos de competência reservada da Polícia Judiciária, na LOIC há uma questão que é importante nos crimes de competência reservada da Polícia Judiciária, e colocava essa questão aos três, à mesa, que é a questão dos crimes dos furtos em automóveis, das falsificações dos livretes, e por aí fora.

Isso é uma competência reservada da Polícia Judiciária, salvo erro está no nº 3 do artigo 7º da LOIC. Não tenho agora bem presente de cor.

Mas o legislador propositadamente, ou não, esqueceu os furtos de embarcações e motores de embarcações. E eu queria ouvir a posição dos três relativamente a essa situação: Qual é a competência da Polícia Judiciária e qual é a competência da Polícia Marítima nessa questão? Tendo em atenção que, normalmente os furtos de embarcações, os furtos em motores, pela questão da Policia Marítima ser uma Polícia ligada muito à figura do Capitão do Porto, que é o Comandante da Polícia Marítima, tem acesso direto, normalmente, aos registos das embarcações ou os números dos motores, e seria a polícia que à partida que estaria em melhores condições para essas questões dos furtos de embarcações e de material de embarcações como de motores.

Por último, para não me alongar com muitas perguntas, que pode haver ainda alguém que queira também fazer perguntas, tinha aqui uma questão que o senhor doutor Rui Pereira falou, e tem a haver com o caso do professor de medicina, de ir à polícia, e ser interrogado pela polícia, e que o polícia fá-lo numa linguagem e com uns termos fora do tema.

A questão é a seguinte: é que o polícia para investigar, não basta ser da PSP, da GNR, da Judiciária, da Polícia Marítima, do SEF, da ASAE, e por aí fora. Tem que conhecer a linguagem. Foi por isso que o legislador em 1919 criou a Polícia Marítima, quando nalgum comércio marítimo, era preciso uma polícia que falasse a linguagem - e daí as polícias de especialidade, já nessa altura - e parece-me a mim que a própria LOIC, e a legislação que veio a seguir, esqueceu-se desse princípio da especialidade, da racionalização na atribuição dos meios de investigação, e deixou a Polícia Marítima um pouco à periferia dessas questões.

A questão que se coloca é, na investigação criminal, no meu ver, não adianta nós termos muitos meios técnicos. É bom, é competitivo, mas se nós não falarmos a linguagem local do incidente, se não tivermos a mesma linguagem, nós nunca mais conseguimos desvendar qualquer mistério. Não há cá uma lupa para poder desvendar.

Ou seja. Daí é cada vez mais, e eu queria que me desse a sua opinião, cada vez é mais imperioso dotar a Polícia Marítima de instrumentos legais, que não falo de instrumentos já, só técnicos, ou de massa humana - instrumentos legais, tipificados, claros, que imponham - salvo seja - à Polícia Marítima essa obrigação de investigar os incidentes marítimos – o crime em ambiente marítimo - impedindo que ele se desvaneça por vários opc´s, e ao fim de três ou quatro anos, se nós encontramos um motor de uma embarcação e o processo está guardado num canto qualquer, que nem sequer chegou à Polícia Marítima.

E isso gera o quê? Há autor inglês que, creio, que em 1952 escreveu sobre isso, sobre as questões e estratégia do crime em ambiente marítimo, que era das mais baixas prioridades da polícia. E vimos pelo legislador. E porque? Porque é um crime que não se vê.

E na altura, salvo erro, já íamos em muitos milhões, aquilo que era furtado, e que era readquirido e voltava a ser furtado.

Ou seja, se esse nosso sistema de segurança, o nosso sistema de distribuição de inquéritos, as omissões que muitas vezes acontecem de não chamar a Polícia Marítima ao inquérito leva a isso mesmo. A que sejam investigados por opc´s que não têm preparação para lidar com material que é furtado em ambiente marítimo - e temos ali o senhor comandante da Marinha Mercante - falta a linguagem, e se não tiver linguagem não entende.

E a questão era: está o Ministério Público preparado para isso? É a 1ª questão.

E daí a relevância de ter chamado a atenção para aquela questão do doutor dizia de termos de falar em linguagem. Temos de saber se é preciso uma polícia que fale a linguagem e se todas as outras servem. E porquê? Falou o doutor Carlos Anjos, e muito bem, dos mergulhadores forenses. É efetivamente, e foi uma mais valia que se criou na Polícia Marítima.

Mas não é só por aí. Eu não posso pôr um órgão de polícia criminal em ambiente marítimo se ele não tiver preparação. Só quem andou num ambiente marítimo é que sabe o que é a preparação. Não vale a pena dar uma embarcação a um opc de competência genérica, só porque ele tem mais 25 mil homens que a Polícia Marítima, que é uma coisinha pequena, se esse opc vai começar do início.

Provavelmente teria feito muito mais, teria sido muito mais rentável, a solução através da Polícia Marítima, porque trazia alguém para a linguagem, coisa que não acontece.

Trabalhar dentro de água no âmbito criminal é uma coisa muito séria, e é uma coisa que eu acho que faltou ao legislador. Vê-se bem que esta LOIC de 2008 teve um avanço, quando permite que a Polícia Marítima possa já desenvolver algumas ações, independente, muitas vezes dos crimes que foram cometidos, salvo da competências da Polícia Judiciária, e isso é um ponto assente.

É uma competência que é partilhada, mas não é partilhada com os outros opc´s. É impossível hoje partilhar a Polícia Marítima como um opc de competência generalizada, porque o próprio legislador criou atritos institucionais e culturais, e não é fácil. Não vale a pena juntar as polícias e falarmos todos porque ninguém fala nada. Toda a gente esconde. E eu estou sempre desconfiado do meu colega, e o meu colega está desconfiado de mim. Nós só falamos de meias verdades. Portanto, não vale a pena falar em coordenação ou colaboração, porque ela não existe, se não existir uma forte tendência cultural.

Têm que se partir as barreiras culturais entre as polícias e depois definir as competências.

E na questão da definição das competências passa precisamente pelo crime em ambiente marítimo e enquanto não existir essa definição, podemos estar aqui a falar. Temos a UCC por um lado a trabalhar, e a Polícia Marítima por outro lado, e a Polícia Judiciária, se calhar, por outro lado.

Portanto, para além do que já perguntei, era este comentário que tinha a fazer, não tenho mais nada, coloco estas questões à mesa.

 

Resposta Professor Rui Pereira

Desculpem-me lá, mas eu nem me atrevo a dizer o nome que me ocorre… mas que coisa cretina!

Quer dizer, há um crime cometido em Carcavelos e então o Ministério Público chega à conclusão que esse crime, como não é da reserva absoluta da PJ, devia ser investigado pela Polícia Marítima.

O que é que acontece? O Sr. Procurador tem de ir, enfim, com a sua gravata e o seu fato, falar com o Sr. Diretor Nacional da PJ: “Ai Vossa Ex.ª não se importa …? Não, não, e tal… apesar de tudo…”, e com o Comandante-geral, o Almirante da Autoridade Marítima, para fazer a transladação.

Isto é ridículo e absurdo, mas prova bem o país em que nós vivemos.

E quando se diz a culpa é do legislador - coitado do legislador, o legislador é a Assembleia da República - devemos procurar saber o que está por detrás das soluções.

A solução - flexibilização da investigação criminal - é ótima, porque em grande parte dos casos, tem de se ver caso a caso, quem é que pode desenvolver a investigação. O jogo de capelinhas é terrível.

E portanto as Forças de Segurança… o quê? Mudar alguma competência? Só se for ouvido o Diretor Nacional ou o Procurador-geral.

É evidente que isto não funciona porque isto não foi pensado assim. Deveria ser o Procurador de Cascais a decidir e a falar com as Polícias e a ver como é que se fazia. Assim não há nada que resista, como é evidente.

Bom, segunda questão em relação à Lei: num clima em que há vários órgãos de polícia criminal, não há Lei boa que evite conflitos de competência. É bom que toda a gente meta isto na cabeça. Por várias razões, e eu vou já dar a primeira: na realidade a única fase do processo em que há uma definição, e ainda assim precária, provisória, do crime, é a acusação. É na acusação, e nunca antes, que se sabe qual é o crime que é objeto do processo. Antes pode haver uma definição mais ou menos precária, uma ideia, e no entanto, é antes que tem que se atribuir a competência. Compreendem?

Quer dizer, é no fim do inquérito que se sabe que o crime é de homicídio qualificado, mas é no princípio do inquérito que se faz a atribuição de competência. Ou seja, há uma dificuldade metodológica intransponível quanto há atribuição de competência antes da definição do objeto do processo.

Isto leva a quê? A que haja dúvidas! A que haja batotas processuais. Já assistimos a casos em que o mesmo processo é investigado por várias Polícias - depois criou-se o tal número único de investigação do processo criminal, para tentar evitar isso.

Pronto, mas já houve várias situações que, no mesmo processo, vários órgãos de polícia criminal estiveram a fazer escutas. E ainda por cima, como era o mesmo sítio, podiam poupar trabalho. Mas pronto, ambos a escutarem no mesmo processo, as mesmas pessoas.

Já aconteceu. Hoje já não é, mas já foi.

Porquê? Porque realmente há esta dificuldade metodológica, há possibilidade de fazer batota, e por aí fora.

Outra dificuldade que é intransponível é esta - a não ser que a delimitação de competências seja rígida, e não pode ser, há sobreposições legais de competências obrigatórias. O conceito de competência genérica, tal como vem de 2000, é sobreponível com as competências da PJ. Não há nenhum crime para o qual a PSP ou a GNR sejam competentes e a PJ não seja também.

Não há nenhum crime do âmbito das competências específicas para o qual a PSP ou a GNR mais a PJ não sejam competentes também. Portanto estas sobreposições existem.

Qual é a maneira de as resolver? Há duas.

Uma é caminhar para o modelo dualista. Cria-se uma só Polícia de investigação criminal, e acabou a conversa, para não estragar a experiência acumulada. Ou vamos pelas mil pessoas que se dedicam à investigação criminal na PSP, mais duas mil da GNR, mais não sei quantas na Polícia Marítima, e por aí fora… vai tudo ali para a sede para as novas instalações da PJ… mas uma solução radical dualista é, toda a gente que se dedica à investigação criminal vai para a Polícia Judiciária, para uma polícia de investigação criminal e distingue-se radicalmente investigação criminal de segurança pública.

Outra solução é continuarmos com tudo como está, com pequenos passos graduais. Porque, não se iludam! Se nós fizéssemos aquilo que os maníacos dos organogramas gostam de fazer, que é, vamos mudar isto tudo. E agora cria-se só uma Polícia de Investigação Criminal e só uma Polícia de Ordem Pública. Era um sarrabulho - desculpem a liberdade de expressão - imagino o que seguiria. Portanto, eu não sou adepto dessas políticas transformistas assim aceleradas.

Com pequenos passos o que é que é necessário fazer?

É necessário e penso que deve ser o grande objetivo de quem tem a capacidade de decisão política, embora seja muito difícil, é necessário, tanto quanto possível, transformar o clima de rivalidade negativa, uma rivalidade no sentido de querer que as coisas corram mal ao outro, em clima de cooperação. Só com cooperação é que é possível estas normas funcionarem, é impossível!

Como é que se consegue atribuir um processo nestas condições de flexibilidade, se os órgãos de polícia criminal vivem desconfiados a pensar que cada um quer apunhalar o outro? É praticamente impossível. E nesse domínio, quer no meio político quer no campo operacional é preciso dar passos novos.

Só para responder à questão do psiquiatra.

Na questão do psiquiatra, não é uma questão de linguagem. A questão é esta: quem decide se acusa ou não, se o processo tem viabilidade ou não, é que tinha possibilidade de ouvir a testemunha e de avaliar a credibilidade do testemunho. Se o testemunho lhe surge por escrito, eu se fosse Magistrado do MP ficava perplexo: “olha, então este Rui Pereira conhece, foi colega de um professor catedrático de psiquiatria”? Colega? Isto é um complô! E depois começava - para quem tem a mentalidade policial - começava com especulações, “se calhar o tal Pereira anda mas é a tratar-se com o psiquiatra!”. Ou então “ah o professor catedrático em medicina deve ser um leigo na matéria”, “deve ser amigo de alguma associação, ele está a procurar alguém que lhe dê de comer”.

A única coisa que terá de ser dito logo de início é uma certa imediação, tanto mais que não há outra prova. E portanto, aqui também há uma avaliação jurídica a fazer, que é uma prova indireta, de ouvir dizer, só que não se pode aplicar aquele regime do Código de Processo Penal, do “chama-se quem disse” porque quem diz é o queixoso.

Portanto, há aqui um conjunto de perceções acerca da credibilidade do testemunho que se perde com este afastamento do Ministério Publico do processo. Era só isto que eu queria dizer.

(Manuel Faustino) Só uma questão, antes de avançar, porque fiquei com uma dúvida. O professor falou da LOIC, e nessa questão da atribuição de competência, que só na acusação é que se fixa o objeto do processo, não há nenhuma dúvida.

Mas eu fiquei com uma dúvida. É que a própria LOIC tem terminologia que parece dizer assim: quando fala de poluição como de perigo comum, quando fala em dolo, obriga o próprio Ministério Público - e o senhor procurador que só tem conhecimento dos autos por mero despacho, muitas vezes, de um auto de notícia…

(Professor Rui Pereira) Mas tem de obrigar. É assim mesmo. Por exemplo, não é caso único…

(Manuel Faustino) Mas o problema é que tem que tipificar logo para saber se é de competência reservada da Polícia Judiciária, quando a LOIC fala no dolo. Ou seja, o Sr. Procurador, coitado, viu o processo pela primeira vez e diz será que isto é para a Polícia Judiciária, para a Polícia Marítima, para a PSP ou para a GNR? Há logo ali uma …

(Professor Rui Pereira) Mas isso é obrigatório. Eu vou dar outro exemplo: quando é que se aplica a prisão preventiva? A prisão preventiva aplica-se, em regra, quando há um crime punível com pena de prisão superior a 5 anos, ou nalguns casos, superior a 3, que é o limite mínimo do Constitucional, e tem que ser um crime doloso, tem de ser um crime em relação aos quais haja indícios sérios.

Ora bem, é óbvio que a prisão preventiva se aplica no início do processo e não só com a acusação. E portanto tem que haver uma classificação provisória.

Quando um Magistrado do Ministério Público propõe a aplicação da medida de coação e o Juiz de instrução a defere face à classificação do crime.

Quer dizer, é próprio do processo penal ter de haver uma classificação prévia do crime antes da acusação, que é uma antecipação. E uma antecipação infalível.

A única coisa que eu quis dizer é que isso desempenha um papel muito importante na atribuição da competência, porque se não houver um clima cooperativo há caneladas, há falta de lealdade, e por aí fora.

 

Resposta do Dr. Carlos Anjos

Relativamente à questão da LOIC, eu concordo consigo. Eu acho que na LOIC, nem se lembraram de vocês!

Aliás, eu acho que o que está lá em matéria de falsificação: diz falsificação de certificados de habilitação, de cartas de condução de veículos automóveis. Não fala lá de embarcações. Ou seja, tem que ser por esse princípio da especialidade que chegamos lá, e não pelo que diz o artigo, porque, de facto lá não está.

O que está no artigo, que é de competência específica? Está lá tudo menos os barcos. Eles nem se lembraram. E como não quero ser desagradável com o legislador, e ele está aqui ao meu lado, ou não se lembraram dos barcos, ou não se lembraram de vocês, ou não se lembraram dos dois.

Agora que lá não está, não está!

E essa competência que está a falar é de uma matéria que não é reservada da Polícia Judiciária, não é, porque não está lá.

A lei é clara! Nesse ponto de vista, para mim é clara.

Apesar de que, quando se juntam dois juristas à frente… costumo dizer que rapidamente só deve haver um. Devemos ler o que lá está, e não o que nós gostávamos que lá estivesse. Por vezes, surge uma terceira opinião que não é a que lá está mas é aquela que nós gostávamos que lá estivesse. Isso é que é um erro.

Também concordo consigo, claramente, mas isso vem do que vos disse sobre a vossa definição. Julgo que se definirmos enquanto Polícia Marítima, e depois quanto a atribuições, porque estamos aqui a entrar em questões, que mesmo as de poluição marítima, neste momento, não à coisíssima nenhuma a definir.

Se nós fossemos para o bom senso, se houver um derrame ou uma poluição que implique um crime, é competência reservada da PJ. Portanto, se se puserem a investigar o crime de derramamento de petróleo no mar, não faço a mínima ideia, até porque só para sair de lá já me vejo aflito.

Portanto, a grande questão está em nós definirmos exatamente o que são os crimes em ambiente marinho, e essas competências exclusivas.

De facto, eu dizia que não estão muito bem definidas. Cabe lá tudo e não cabe lá nada. Arranjaram uns chavões com umas competências, nomeadamente na vossa missão, e fui à página de internet para ver e aquilo de facto, quando vemos, é bonito. Isto é importante! Depois quando começamos a esmifrar aquilo, ou cabe lá tudo, ou não cabe lá nada porque depois aquilo abre uma quantidade de alíneas que saltam em claro. Portanto não tenho dúvida nenhuma que essas competências que falou não são reservadas da Policia Judiciaria, mas também não sei bem de quem são, e acho que o legislador também não sabe disso.

 

Resposta do Procurador Manuel Pacheco Ferreira

Antes de responder à sua questão, quero aqui concordar - não tenho como discordar - do senhor Professor Rui Pereira, de quem fui aluno nesta casa, sendo que me licenciei aqui em 1986 – portanto já lá vão muitos anos – e foi meu professor de Processo Penal, precisamente, e portanto foi com ele que eu aprendi os princípios básicos do Processo Penal, que muito lhe agradeço.

Respondendo à sua questão, como é que o Ministério Publico tem conhecimentos do ambiente marítimo?

Não! O Ministério Publico não tem conhecimento do ambiente marítimo! Não tem conhecimentos de fiscal, não tem conhecimentos dos produtos que estão, ou não estão avariados, quando estão à venda nos mercados, não tem conhecimento. Não tem!

O Ministério Publico tem apenas os meios jurídicos para, perante a lei, saber a quem é que tem que atribuir competência.

Depois as Policias que têm competência específica, se têm essa competência específica é porque têm conhecimentos específicos, porque senão o legislador não lhes atribuía competência específica.

No caso da Polícia Judiciária, a Polícia Judiciária tem competências especializadas porque tem o know-how para investigar aqueles crimes.

O Ministério Público foi muito mal habituado pela Polícia Judiciária. Há que reconhecê-lo! Porque a Polícia Judiciária tem na sua estrutura quem faça a qualificação jurídica dos crimes, e por isso, o Ministério Público, quando estavam em causa crimes na Polícia Judiciária, por regra, limitava-se a delegar a competência sem mais. Ia à alínea da lei, a lei diz que é da competência da Polícia Judiciária, aqui vai o processo. E depois quando vem o processo, como também aqui disse o senhor Professor, quando vem o processo é que o Ministério Público põe-se a ver aquilo – e a ver o que lá estava, e o que não estava – e perante o relatório final da Polícia Judiciária vê, então, perante aquela fatalidade que lá estava e os crimes que estavam indiciados, se fazia falta mais algumas diligências, ou não.

Foi totalmenteum mau hábito que nos criou a Polícia Judiciária, porque, como também aqui foi dito, com o alargamento da investigação criminal às outras Polícias, é evidente que o caminho não pode ser o mesmo. E eu acho que até mesmo em relação á Polícia Judiciária, também não deve ser visto assim.

O Ministério Publico, quando está a classificar o Auto de Noticia, onde, no fundo estão a contar em termos muito sumários o que é que se passou num determinado sítio, tem que qualificar o está ali e decidir perante a lei quem é a entidade policial competente para investigar aquele crime.

Claro que, se o que ali está não corresponde, pronto, o Ministério Publico foi induzido em erro. Mais à frente nadadiz que o Ministério Público não possa alterar o seu Despacho de competência, e passá-lo de uma Polícia para outra, porque o seu primeiro Despacho afinal estava incorreto.

Posso-lhe dizer que há muito pouco tempo me sucedeu isso, com um processo que me estava distribuído, e que cheguei à conclusão que a competência afinal era da Polícia Judiciária Militar e não era da Polícia Judiciária. E por isso, nessa altura, dei o dito pelo não dito, pedi desculpa á Polícia Judiciária pelos atos que entretanto já tinham feito e que se mantinham válidos, podem ser aproveitados pela Polícia Judiciária Militar, e não eram da competência da Polícia Judiciária Militar.

A questão que aqui se coloca é que a Polícia Marítima não tem competências como Polícia genérica, e por isso não pode investigar aquele tipo de crimes, como o tal arrastão da praia de Carcavelos!

Não tem e não sou eu, Ministério Público, quem tem de definir se tem de ter ou não! Isso tem que ser numa outra área. Tem de ser a Assembleia da República, tem que ser o Governo, através da Assembleia da República, a definir as áreas de competência de cada uma das Polícias. E eu tenho que cumprir a lei. Porque não é por eu achar que uma Polícia está mais vocacionada para investigar um determinado tipo de crime – como eu sei que colegas meus fizeram – que vou delegar competências nessa outra Polícia. Se a lei me diz que um crime de roubo, com sequestro, com armas de fogo, numa instituição financeira, é da competência da Polícia Judiciaria, eu não vou dar essa competência à Polícia de Segurança Pública, mesmo que tenha sido a Polícia de Segurança Pública quem tenha tido o primeiro contacto com a situação, e mesmo que tenha sido a Polícia de Segurança Pública – até porque é uma questão de ordem pública que imediatamente ali se colocava – que tenha sido chamada ao local para conferenciar, com reféns, etc. Mas a competência depois, para a investigação, é da Polícia Judiciária. E eu limito-me a cumprir a lei. Estou a isso obrigado.

E portanto, isto para lhe responder que o Ministério Público não tem o poder e os conhecimentos especializados. Pelo menos nessa altura.

Quando deduz a acusação, aí sim, é bom que o Ministério Público, para descrever os factos, fale com as Polícias especializadas para poder fazer um enquadramento, poder fazer a descrição do que se passou de uma forma adequada, e utilizara tal linguagem que eu não domino. Por isso, antes de deduzir a acusação ter falado com aqueles que sabem da matéria em questão.

Como também não domino a linguagem da medicina legal, por exemplo. E faço acusações de homicídio com aquilo que me dizem os peritos.

Isto para dizer que o Ministério Público não tem que ter conhecimentos especializados, a não ser nessa altura de deduzir acusação.

E com a Polícia Marítima, nós temos - o Ministério Público esquece-se às vezes que conta com a Policia Marítima, esquecemo-nos.

O que é certo é que houve uma reforma da ação executivae foi prevista em sede de legislação completamente revolucionária da ação executiva e depois da lei, de repente, alguém se lembrou que também existia o Ministério Público, sendo o Ministério Público o maior exequente deste país - porque é o que ganha as ações atribuídas ao Estado, e infelizmente é o maior credor, que é o Estado.

Houve uma reforma do mapa judiciário e de repente apercebemo-nos, quando recebemos o primeiro projeto, que essa reforma estava toda feita sobre a matriz judiciária, esquecendo o Ministério Público.

E agora um ultimo ponto, que estou absolutamente de acordo, também nesse ponto, com o senhor Professor, que seria muito mais simples, em vez de ser o Procurador-Geral da República a decidir naqueles casos de transferência de competência, ser o Ministério Público que está no local e que tem uma hierarquia - o Ministério Público funciona hierarquicamente, e o topo da hierarquia é onde está o Procurador da República - portanto só se houvesse problemas é que a questão tinha que chegar ao Procurador-geral da República, e ia pela hierarquia. Não havendo problemas o procurador do processo decide, pronto e é esta a minha resposta às questões.

 

Pergunta do Vice-almirante Cunha Lopes

Queria agradecer ao presidente da Associação pelo facto me ter convidado e agradecer ao painel as excelentes intervenções, e não podia perder a oportunidade de fazer aqui uma breve intervenção nesta parte do mar.

Eu verifiquei durante as apresentações que reina nos espíritos alguma confusão do que é a Autoridade Marítima Nacional, do que é o SAM, e da confusão que existe entre o que é Forças Armadas e onde se insere a Autoridade Marítima Nacional.

Eu sou o Diretor Geral da Autoridade Marítima e simultaneamente sou o Comandante-geral da Polícia Marítima.

As nossas funções, na Autoridade Marítima, são funções de natureza administrativa, são funções de natureza pericial e são funções de natureza policial. Portanto, inserem-se no Título IX da Constituição, e é aí que nós estamos inseridos. Nós não fazemos parte das Forças Armadas, isso é preciso que entre nos espíritos e fique bem vincado.

A Autoridade Marítima não está inserida nas Forças Armadas.

A recente Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas, o que diz é que a Marinha disponibiliza meios, ou seja capacidades para apoiar. E portanto, isto leva-me aqui a esta reflexão.

A Polícia Marítima é uma polícia de natureza civil. O comandante-geral é o dirigente máximo dessa polícia, e não é o Almirante Autoridade Marítima Nacional. Quem é o dirigente máximo da Polícia Marítima é o seu comandante-geral.

E portanto, evidentemente que nós estamos numa situação em que militares, no caso, exercem funções de natureza civil, mas isso, enfim, os oficiais do Exército ou da GNR também o fazem e outros departamentos do Estado também.

Eu costumo dizer, quando sou confrontado com isso, que os militares, em primeira mão, são portugueses. E quando têm de ser, são portugueses de alma e coração.

E portanto, a Polícia Marítima no Estado não tem condição militar. Os seus agentes não são militares, não estão sujeitos ao RDM, têm um regulamento próprio da Polícia Marítima ajustado a uma polícia.

Bom. Eu diria, e concordando com o doutor Carlos Anjos, na realidade há aqui muitos aspetos, muitas incongruências no sistema. Provavelmente o modelo deve ser revisitado, deve ser estudado, deve ser aperfeiçoado e, naturalmente, há questões, enfim, que podem ser colocadas em cima da mesa nos aspetos da formação, se a polícia deve incluir uma carreira distinta, enfim, há vários aspetos que podem ser questionados.

Mas eu diria que a Polícia Marítima é um parente pobre - não é da Marinha - é do sistema de segurança. É um parente pobre porque não tem dimensão.

Esse é um problema que o professor Rui Pereira sabe muito bem, e há muitos anos – está aí um anterior Comandante-geral da Polícia Marítima que sabe que nós desde 2000 e pouco, que insistimos com o Governo com o problema da dimensão da Polícia Marítima. Esse é um problema.

Mas depois surgiram estes planos todos - se há duas polícias, dez polícias, se a Polícia Marítima passa para a GNR, ou não passa para a GNR - isto são questões que travaram o processo de expansão por parte da Polícia Marítima, porque o Estado português ainda não decidiu, ou ainda não compreendeu, como é que deve, quem é que deve, e como deve ser exercida a autoridade do Estado no mar.

Porque o mar é diferente do território. O mar é livre - atenção o mar é livre - evidentemente no Mar Territorial o Estado tem um poder maior que nas outras áreas jurisdicionais, mas não é totalmente um território, que inclusivamente há um direito de passagem inofensiva - e portanto, o mar é livre. E os navios estrangeiros são uma extraterritorialidade dos países a que pertencem, ou seja, aos países de bandeira.

Portanto, nós não estamos no mesmo ambiente do território, mesmo para as questões da criminalidade. E é preciso que nós pensemos qual é o modelo que nós queremos para o nosso país, como modelo de exercício de autoridade do Estado no mar.

Olhamos para vários países e nós verificamos que há países que têm as chamadas “COAST GUARDS” - os Estados Unidos, a Grécia, a Itália, enfim, todos têm um sistema da chamada “COAST GUARD”.

As “COAST GUARDS”, de uma forma simplista, não são mais do que Marinhas - marinhas neste termo genérico que o senhor comandante expôs - não são mais do que Marinhas com poderes de Polícia. Ou seja, os seus membros estão investidos de um poder de Law Enforcement que é aquilo que acontece nestes países.

A questão, de se estar na Defesa ou de se estar - nós olhamos, por exemplo, na tradicional “COAST GUARD” a tutela era dos transportes porque o peso do transporte marítimo no mar assim o determinava, as questões relacionadas com o transporte marítimo assim o determinavam. Só que os Estados Unidos depois do 11 de setembro colocaram a “COAST GUARD” no “Homeland Department”, portanto, no Ministério do Interior.

A “COAST GUARD” Sueca - a Suécia tem uma Marinha e uma “COAST GUARD” - A “COAST GUARD” está com o Ministério da Defesa. Mas isso é uma questão de organização lá com o Governo - eu muitas vezes digo que posso estar no Ministério da Saúde, é onde o Governo determinar quando se organizar. O problema não está em quem é que nos tutela. Não é por aí que nós estamos no Título X ou no Título IX. Nós estamos no Titulo X ou no Título IX em função das missões e das funções que exercermos. E é isso que na realidade nos coloca, ou não, no Título IX da Constituição.

E portanto, esta questão, eu julgo que é uma questão muito importante e que convém refletir, como é que nós, de facto, em Portugal, porque andar no mar - eu costumo dar a imagem do hóquei em patins, porque primeiro tem que se saber andar de patins e depois é que se consegue andar com o stick, senão é hóquei em campo – e, de facto, nós para andarmos no mar, a primeira coisa que temos de ser é marinheiros - seja da Marinha Mercante, não interessa - temos de ser marinheiros, temos de conhecer o mar. Depois, evidentemente, podemos ganhar perícias para determinado mar.

Mas o regime, e isto é que é muito importante, já aqui foi dito que nós criamos a determinada altura um Grupo de Mergulho Forense, precisamente para estas questões ligadas ao crime, mas também criamos um Grupo de Ação Tática que tem formação SWAT, que foi lançado ali pelo Almirante Medeiros Alves numa altura de formação SWAT vocacionado para o crime nos espaços marítimos.

Porque o Estado Costeiro tem responsabilidades no âmbito das Convenções e nós já tivemos um caso de intervenção deste grupo, num navio estrangeiro em que o comandante sentiu-se ameaçado e nós tivemos de intervir no navio. E essa intervenção exige uma formação muito especifica, porque operar dentro de um navio é preciso conhecer-se o que e é um navio, como é que se movimenta dentro do navio, e por aí fora.

Portanto, há toda uma questão que está de facto subjacente a esta questão maior que é que é o exercício da autoridade do Estado com todos os condicionalismos, porque estamos num espaço e num meio muito específico, e tão específico, não só pela natureza do meio, mas pela natureza da legislação que se aplica nesses espaços.

Era essa a minha intervenção.

 

Resposta do Professor Rui Pereira

O Sr. Almirante tem toda a razão quando diz que os militares não têm peçonha.

Eu, por exemplo, quando fui para o serviço de informações e segurança tive, a colaborar comigo, na altura, dois Coronéis e um Major. E dos militares só tenho boa impressão, em cargos de certa natureza, pela lealdade, pelo sentido de estado, patriotismo e amor ao sentido público com seriedade.

Os militares, em geral, têm qualidades excelentes e não há nada que diga, ou recomende que um militar, por exemplo, não possa, ou não deva ser comandante da Autoridade Marítima, ou da GNR, ou seja do que for.

O problema põe-se de uma forma diferente.

Realmente em relação à Autoridade Marítima, ao Sistema de Autoridade Marítima, à Polícia Marítima, há algumas questões cruciais.

Primeiro: de que forma se deve conjugar a ação de polícia com a ação da Marinha? Cruzando as competências do Sistema de Autoridade Marítima, não tenho nada a opor.

Segundo: qual deve ser a natureza de uma Polícia Marítima?

Esta é uma questão - passo a expressão - a doer, na qual tem que se pensar bem. Não vale dar respostas confiantes. Deve ser mesmo uma polícia militarizada? Ou uma polícia civil, como é? É uma questão na qual vale a pena aprender.

Eu creio que hoje a Polícia Marítima é, de facto, a única força militarizada Portuguesa. Era a PSP! Já não é há alguns anos. Não estou a dizer que não deva ser.

Terceira questão: para evitarmos formalidades, o problema de descoordenação, para mim, da Polícia Marítima é só um. É que, a prazo, e se a Polícia Marítima for dotada de efetivos e for imbuída de uma dinâmica de crescimento, a prazo, repito, parece-me muito dificilmente sustentável que na Polícia Marítima não haja uma estrutura hierárquica auto-reprodutiva. E hoje não há!

De acordo com o que eu sei, há um corpo base de agente militarizados – não são militares - e há um corpo dirigente que é obrigatoriamente militar.

É como na Guarda Nacional Republicana. Na Guarda Nacional Republicana, hoje, o que é que nós temos? Temos militares que podem ir até Coronel, que são da própria Guarda, e os postos acima de Coronel têm de seguir do Exército. Nos velhos tempos do saudoso Doutor Maximiano não havia reunião nenhuma em que não dissesse quão boa seria a solução de pôr toda a gente da Guarda Nacional Republicana a formar-se no Instituto de Polícia, o que provocava a mais forte urticária nos militares presentes, como é óbvio, que nunca quiseram ouvir tal solução.

E a solução de recurso que foi encontrada é a de hoje se conceber a formação dos oficiais generais da GNR, com algumas valências possíveis de investigação criminal, na academia militar.

O princípio que as Forças Armadas - passo a expressão - nunca aderiram nem aderirão, é princípio da unidade de doutrina, como o Sr. Almirante sabe.

Quer dizer, nunca as Forças Armadas, e se puderem, só à força é que abrirão mão da unidade de doutrina.

Portanto, hoje a GNR prepara-se para, num prazo de oito a dez anos, ter em todos os escalões, militares oriundos da GNR, mas com aprovação da academia militar.

Ora bem, qual é a questão que se coloca, para mim, quanto à Polícia Marítima?

Não é de haver militares! É a de só poder haver militares na estrutura dirigente!

Por exemplo. Causa-me até alguma perplexidade, às vezes, que o Diretor-geral dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa e Militares - até agora só de Defesa - nunca tenha sido um militar!

Sempre foi o número dois e nunca foi o número um, porquê? Pode ser! Se houver um oficial general com vocação e jeito paras as informações, porque é que não há-de ser o Diretor? Ou até o Secretário-geral do SIRP? Porque não?

Porque não tenho nada, mas rigorosamente nada contra!

A questão é saber se pode ser obrigatória ser!

Porque há no aparelho de estado algumas situações que há cargos que isso é obrigatório. Por exemplo, o Inspetor-geral da Administração interna tem de ser, no mínimo, desembargador ou procurador-geral adjunto.

Porquê? Porque se entende que há condições de isenção que são transmitidas ao cargo dessa maneira.

Antigamente as auditorias aos Ministérios, extintas de forma que nem vou adjetivar - de forma absurda e em péssima hora - mas auditorias também eram obrigatoriamente dirigidas por magistrados do Ministério Público. E há certos casos que são cativados dessa maneira.

Mas não acho que toda a estrutura dirigente da Polícia Marítima, numa perspetiva de crescimento e de autonomização, possa realmente estar separada por um muro, da restante estrutura. É essa a questão que eu ponho. Mesmo que a formação envolva a componente militar, como na GNR, e por aí fora.

Isto é! Mesmo que a Polícia Marítima continue a ser uma força militarizada, eu acho que a questão da carreira e da coesão da força tem de ser encarada. Tem de ser encarada para não haver, digamos assim, uma Polícia Marítima a duas velocidades. Por isso a GNR também causou certas perturbações, umas, às vezes, mais visíveis, outras menos visíveis. É um problema específico.

Outro problema mais pesado é saber se deve ser uma força militarizada. Eu não tenho ideias completamente claras sobre isso, e é uma reflexão que se tem de fazer. É aquilo que o Sr. Almirante diz - é óbvio que tem toda a razão de ser - não podemos falar no mar e como se fosse a zona de Carcavelos ali na praia. Há questões em relação ao mar que exigem uma participação obrigatória da Marinha e um tratamento muito diferenciado.

 

Pergunta do Presidente da Direção Nacional da ASPPM, Miguel Soares

Bom, depois desta intervenção do Comandante-geral da Polícia Marítima e das explicações dadas pelo Professor Rui Pereira sinto que o tema acaba por estar, em certa medida, desenquadrado. Ainda assim não poderia perder a oportunidade de suscitar aqui duas questões que me parecem da maior importância. E queria dirigi-las especificamente, a primeira ao professor Rui Pereira e ao Procurador Manuel Pacheco Ferreira, que tem que ver com a eventual inconstitucionalidade, e a segunda com o reconhecimento da Polícia Marítima como órgão de investigação criminal.

Porque de manhã falamos, precisamente, sobre este assunto, e houve alguém no auditório que colocou a questão de haverem serviços do Ministério Público que não reconhecem a Polícia Marítima como órgão de investigação criminal.

E eu gostaria de recolocar esta questão porque a resposta que foi dada de manhã, devo dizer que não partilho da opinião do Doutor Antero Luís. De facto há tribunais de comarca que quando recebem autos de notícia remetidos pela Polícia Marítima, entendem delegar as competências de investigação naqueles processos, e dou um exemplo de falsificação de cartas de navegador de recreio, que poderia ser uma competência reservada da Polícia Judiciária, como ocorre com a falsificação de documentos de viaturas, mas não é, e seria perfeitamente delegável na Polícia Marítima, porque se estamos a falar de cartas de navegador de recreio em que a Polícia Marítima é a polícia que tem maior afinidade e proximidade com esse tipo de documentação, e reconhece-se.

E há situações que conheço em que o Ministério Público entendeu delegar as competências na Polícia de Segurança Pública, sem desvalor pela competência que a PSP tem, a procuradora não delegou a competência na Polícia Marítima porque não conhecia a Polícia Marítima.

Outras situações há em que profissionais da Polícia Marítima se dirigiram ao Ministério Público colocando questões concretas e, num dos casos o procurador perguntou se a Polícia Marítima também fazia investigação criminal, porque se soubesse antes teria entregue a investigação dessa matéria à Polícia Marítima.

E daria ainda um terceiro exemplo que me parece muito infeliz, que é o da existência de despachos de delegação de competências de investigação criminal na Autoridade Marítima Nacional. E se tivermos em consideração que, de acordo com o código de processo penal, as delegações de competências de investigação só serão efetuadas nos órgãos de polícia criminal, pergunto eu: estará a Autoridade Marítima Nacional legitimada para proceder às diligências de investigação?

Nós sabemos que muitos destes problemas têm que ver com a interpretação ou a semântica, decorrentes até dos cabeçalhos dos despachos e restante documentação que acompanha os autos de notícia.

E isto demonstra uma coisa: é que, de facto, há comarcas que não conhecem a Polícia Marítima como órgão de polícia criminal.

E há pouco, com a intervenção do procurador Manuel Pacheco Ferreira fiquei a saber que poderá haver uma razão lógica subjacente a isto, que é o facto da Polícia Marítima não constar da Lei de Organização e Investigação Criminal, porque não teria que estar.

Porque se é uma polícia especializada, naturalmente não teria que estar. Mas se não está prevista na Lei de Organização e Investigação Criminal, e se não tem uma Lei orgânica que defina as suas competências em matéria de investigação criminal, se o estatuto da Polícia Marítima, que devo dizer, será o único diploma que refere as competências da Polícia Marítima, e que são muito vagas no que concerne à sua especialização em matéria criminal, isto leva-me a concluir que estão reunidas todas as condições para que o Ministério Público não reconheça a Polícia Marítima.

E a não ser que a conheça pelo facto de ter tido algum contacto anterior, vai delegar os crimes que são da competência genérica, portanto, o crime de furto ou qualquer outro que ocorra numa área balnear em que a especialidade em razão do território é da Polícia Marítima, vai entrega-lo a outra polícia, provavelmente ao órgão de polícia criminal local – o que não quer dizer que esteja errado do ponto de vista da capacidade de resposta porque o órgão de polícia criminal local conhece aquela comunidade, é natural que conheça o “Quim tó” que habitualmente furta metal naquela região, e se calhar será mais difícil à Polícia Marítima que é a polícia territorialmente especializada, apurar quem é que naquela região tem um histórico de furto de metais. E isto é uma situação que tem de ser considerada pelo legislador, futuramente.

E a outra questão que gostaria de colocar é a seguinte: a Lei 53/2008, a Lei de Segurança Interna, é uma Lei. Isto é, um ato legislativo emanado pela Assembleia da República, ao abrigo das suas competências, salvo erro, do artigo 164º da Constituição, porque é uma matéria de competência reservada.

Ora, se a segurança interna é matéria de competência reservada da Assembleia da República, a quem compete legislar o regime das Forças de Segurança, então o Sistema de Autoridade Marítima não deveria ter sido legislado, também, pela Assembleia da República? Não estará aqui, eventualmente, um vício de inconstitucionalidade orgânica, por ter sido este diploma emanado por um órgão constitucionalmente incompetente?

Porque se é matéria da competência reservada da Assembleia da República e nem mediante diploma de autorização teria sido admissível, passemos agora a mesma situação para a Polícia Marítima, que é uma força de segurança e órgão de polícia criminal, que foi criado por Decreto-Lei. Não teria a Polícia Marítima, há luz daqueles conceitos, não deveria de ter sido criada por um órgão constitucionalmente competente?

Estas eram as perguntas que eu gostaria de deixar.

 

Resposta do Professor Rui Pereira

Nessa questão, atualmente há uma reserva absoluta da Assembleia da Republica em relação às forças de segurança. Essa reserva absoluta no entanto resultou de revisão Constitucional posterior ao decreto-lei de 95. Quer dizer que, se atualmente se criasse a Polícia Marítima, incluindo a Autoridade Marítima, deveria ser por Lei da Assembleia da República. Nem sequer com lei de autorização, porque é de reserva absoluta.

É claro que se pode discutir o que abrange a reserva absoluta, mas é o regime das forças de segurança, e portanto, entende-se que cabe aí tudo isso.

Simplesmente na altura ainda não estava na reserva absoluta. E portanto, eu julgo que o Decreto-lei não é organicamente inconstitucional. Foi anterior à passagem para a reserva absoluta que foi na revisão de constitucional de 1997, salvo erro.

Eu, aliás, experimentei a reserva absoluta, porque quando fui Secretário de Estado e preparei na altura, para a GNR, através de Decreto-Lei, preparei um regime de promoções, e na altura era Presidente da Republica o Dr. Jorge Sampaio que, e bem, mandou para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva. E o Tribunal disse que não estava na reserva porque as questões de intendência e promoções não cabem lá. Só as questões de competências, de articulação com o exterior, da organização, e por aí fora.

Portanto, em suma, hoje sim! Na altura não.

E já agora, para quem gosta de Direito, não há inconstitucionalidade orgânica superveniente.

Quer dizer, há inconstitucionalidade material superveniente, mas não há inconstitucionalidade orgânica superveniente.

Se uma norma quebrar um princípio ou norma da constituição que vem entrar em vigor depois, há uma situação de inconstitucionalidade superveniente. Mas se foi aprovada por um órgão que era competente, na altura em que foi aprovada, não passa a ser inconstitucional porque a competência se transmite para outro. Não há problema.

E quanto às alterações legislativas introduzidas ao mesmo diploma, posteriores, como as do DL 235/2012?

Isso aí é que tem que se ver.

Se realmente afeta, o seu conteúdo orgânico ou Estatuto das Forças de Segurança, aí pode haver inconstitucionalidade orgânica. Aí sim, já depois de decorrida a transferência para a reserva absoluta.

Em relação - e eu gostava de ver ao certo porque não tenho agora presente a formulação da atribuição de competências à Polícia Marítima - mas o problema que foi já colocado com muita clareza pelo Dr. Pacheco Ferreira, é simples de perceber.

O problema não é o Ministério Público não reconhecer a Polícia Marítima como órgão de polícia criminal. É não reconhecer como órgão de polícia criminal de competência genérica. E isso só lendo a Lei - e eu, já agora, gostava de ler a Lei para ficar com tudo claro - mas se tiver competência genérica, o Ministério Público pode pedir competências em tudo - que nem é preciso pedir, é competente, desde que não seja da competência reservada da PJ. Se for de competência específica, a competência abrange só aqueles crimes, e não pode investigar a generalidade dos crimes praticados territorialmente naquele domínio.

Portanto, é esta a dúvida. E isso só se esclarece mediante a leitura e interpretação da norma, que não é só a letra da Lei.

Mas, é isso que está aqui em causa, saber se é uma competência genérica da Polícia Marítima em matéria de Investigação Criminal em relação a território. E nesse caso haveria três Forças de Segurança com competência em matéria de Investigação Criminal global - a PSP, GNR e Polícia Marítima, numa certa área de território.

Ou se é competência específica. Das duas uma.

Que é órgão de polícia criminal, ninguém põe em causa. Agora se for órgão de polícia criminal com competência específica, só pode investigar aqueles crimes que caibam na competência específica, tal como o SEF, tal como a ASAE, tal como todos.

Se for de competência genérica, pode investigar todos os crimes que se praticarem naquele pedaço de território, digamos assim.

Claro que, seja qual for a resposta há que compreender o seguinte: é que a Polícia Marítima não tem capacidade nem efetivos para investigar todos os crimes que se desenrolem naquele território. A solução pode vir a ser essa no futuro, com ressalva nas competências da PJ, ou não, mas neste momento não tem capacidade para isso em termos de efetivo.

 

Resposta do Procurador Manuel Pacheco Ferreira

No SAM, os crimes que lá são elencados são crimes da reserva absoluta da Polícia Judiciária, que são o terrorismo, a pirataria, o combate ao tráfico de droga – que, porque é praticado em determinadas águas se pressupõe internacional. E essas competências, o tráfico de droga, o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de pessoas – e o tráfico de pessoas este que resulta de uma partilha de competências entre o SEF e a Polícia Judiciária - ou seja, o crime que fica no sistema, na nossa perspetiva, além dos sinistros, e sem ser nos crimes dolosos, fica a poluição.

A poluição, sim, embora, tenho a ideia de que a poluição surge no nº3 nas competências da Polícia Judiciária na Lei da organização da investigação criminal.

E naquelas competências da Polícia Judiciária, aparecem muitas que não são da reserva absoluta, e o Ministério Público pode delegar na Polícia Judiciária ou noutro órgão de polícia criminal.

Parece-me que o crime de poluição em ambiente marítimo é claramente da competência da Polícia Marítima.

Porque tem a ver aqui com este erro de conceção é que se quando se vê na Lei Orgânica da Polícia Marítima, a Polícia Marítima é competente em função do território – não é Lei Orgânica, é na lei de criação da Polícia Marítima – no fundo estabelece as competências da Polícia Marítima em função de defender as competências do Sistema de Autoridade Marítima e é na autoridade marítima que nós vamos ver então para que é que foi criada a autoridade marítima. E no combate ao crime é só nestes crimes que lá vêm elencados.

Por sua vez, a Lei de Organização da Investigação Criminal não diz - e quanto a mim deveria dizer se essa era a intenção do legislador, e seria necessário - que a Polícia Marítima tinha competências genéricas naquele território que é no ambiente marítimo. No ambiente marítimo, todos os crimes que não fossem da área reservada ou especializada, seriam da competência da Polícia Marítima. Parece-me que isto é que faz sentido. Eu quase acompanho o que já foi referido na outra conferência pelo conselheiro Mário Mendes, que apontou neste sentido e eu acompanho essa interpretação que o conselheiro Mário Mendes faz.

Agora, delegar a competência na Autoridade Marítima Nacional, aí, desculpar-me-á o colega que o fez, já não é uma questão de interpretação. É uma questão de asneira.

Porque a Autoridade Marítima Nacional não é órgão de polícia criminal, e portanto, não pode ser delegada à Autoridade Marítima Nacional competência para a investigação criminal. É um erro.

 

Pergunta do Coronel Pires

Em primeiro lugar saudar a forma elegante como decorreu a conferência e como conduziram os trabalhos aqui na vossa Associação, que eu acho que foi muito elegante e que correu bastante bem e a substância daquilo que se pôde aprender aqui hoje, a substância e a qualidade dos elementos que aqui trouxeram.

E depois um clamor – já foi aqui feito um comentário, mas eu não resisto, porque estou aqui dilacerado no meu estatuto militar. É que nós temos que fazer aqui uma exorcização deste problema. É que nós estamos num país que viveu sob uma ditadura, e depois viveu sobre outra que foi o PREC. E eu, que que não tenho nada a haver com isso, que andava numa escola, não era militar, estou a comer com isso todos os dias, com o anti-militarismo.

Houve uma série de forças de segurança que se afirmaram, e bem, à volta desse antimilitarismo e esta capelinha constitucional onde não faz questão de ser. E nós continuamos a resistir aqui na nossa Constituição do momento da ditadura, que não vivemos numa ditadura aqui montada, não é? Nós temos, neste momento, uma situação interna do país muito complicada, e continuamos a bater nos militares. Não pode ser.

Os militares, eu gostava de fazer um bocadinho de pedagogia, estão a ser perante esta República ser despromovidos de qualificações.

Vamos lá ver!

Hoje em dia, quando as instituições militares, e os militares em geral, fazem a reconstrução de países, essa é uma missão atribuída às Forças Armadas, e são os gestores, por excelência, da segurança, nós queremos vê-los despromovidos totalmente de qualquer qualificação nessa área.

Qualquer magistrado ou jurista é competente para dirigir o órgão A, B ou C, mas se for um militar já não é!

E portanto, quer do ponto de vista da preparação dos militares, que tem diferentes componentes, a própria gestão da justiça, da disciplina, da questão da investigação criminal, porque nós não ouvimos debater o problema da questão da investigação criminal em teatro de guerra e de operações, e estamos prestes a acabar com a Polícia Judiciária Militar dentro da área da tutela militar, isto é, há aqui um clima muito complicado contra a capacidade dos militares exercerem cargos em determinadas áreas. E aquilo que me parece que seria mais positivo, eu digo-vos uma coisa, eu acho que é muito positivo encontrar uma melhor solução em termos funcionais, em termos económicos, sociais e que capacite estas organizações para cumprirem com a sua missão, eu estou perfeitamente de acordo com isso, agora encontrar uma solução que melhor corresponda a isso será uma melhor qualificação dos profissionais da Marinha? Será uma maior qualificação integrada na escola?

Eu recordo-me no tempo, e não foi há muito tempo, do cisma, que queriam que os militares da GNR fossem formados numa Escola de Polícia. E se não fossem eles a rejeitar isso, as Associações a rejeitar isso, hoje, com certeza tínhamos esse paradoxo.

E portanto, as capelinhas chegam a este ponto.

E se calhar mais produtivo era, exatamente, no dia em que a GNR passar a ter só oficiais generais da GNR, continuar a ter lá oficiais generais do exército e as Forças Armadas terem oficiais da GNR.

Porque isso, nas Forças Armadas, as capelinhas já se conseguiu resolver, chama-se as forças conjuntas e os comandos conjuntos e as Estados-Maiores de defesa que têm, a primeira têm o ministério da guerra e da Marinha. Mais ou menos, mas já devia de estar há muito tempo.

Mas agora, o que o país precisa é disso, é de uma lufada saudável de casamentos em que a confiança se transmita com pessoas em ambas as coisas.

 

Resposta do Dr. Carlos Anjos

Eu quero cumprimentar o Coronel, até porque fomos colegas de comissão há pouco tempo e quero cumprimenta-lo por aquela questão que levantou.

Eu não tenho nada contra os militares. Eu fui militar, passei pela escola da Força Aérea.

Fui oficial da Força Aérea, e, aliás, o atual Diretor da Policia Judiciaria é meu colega de curso. Eu enquanto militar estive na Policia Judiciaria Militar. É de la que transito para a Policia Judiciaria a seguir, e, portanto, tenho uma dívida de união pelos militares que é enorme. Portanto, não tenho nada contra os militares.

O Carlos Garcia, que é hoje o meu substituto, foi da Polícia Aérea, portanto, não há nenhum fantasma.

A questão que eu disse é que, e concordo com aquilo que o Rui Pereira disse aqui, a carreira da Policia Marítima tem que proporcionar a quem entra, a possibilidade de chegar ao topo. Até nem interessa se a Polícia Marítima é composta só por elementos da Marinha. Isso não lhe retira nenhuma das capacidades.

Ou seja! As pessoas não são boas por serem militares, e más por serem civis, ou vice-versa. Nós somos intrinsecamente, bons ou maus, e eu até acho que somos intrinsecamente bons e maus, numa mistura destes conceitos, temos aqui uma guerra, às vezes, entre nós próprios.

O que me choca, ou que não concordo, na estrutura - como não concordei, como foi o meu caso quando cheguei à Policia Judiciaria, isso estava a acabar - era porque é que me deviam de vetar, a mim, o direito sonhar com o facto de vir a ser o Diretor Geral daquela casa. É logico que já vou tarde porque quando me abriu a oportunidade eu já estava quase na altura da reforma. Portanto, não chego lá.

A questão que se põe não é a capacidade que nós temos, ou em relação a quem entra nestas carreiras poder sonhar em não estar transitoriamente nas mesmas. É estar nas funções.

Eu acho que a Policia Judiciaria - e o Ministério Publico, era a mesma coisa - teve esse problema e ganhamos capacidade quando os nossos dirigentes souberam que iam ter que levar aí vinte anos, ou pelo menos vinte, ou trinta anos, e tinham que fazer por ter uma casa em ordem. E que não estavam aqui dez anos para depois regressar ao Ministério Público ou ir para o Tribunal, porque aí eles estavam la temporariamente.

Agora, não é nada contra os militares. É uma questão de sistema. Resolvendo essa questão, não tenho nada contra. Nada contra. Antes pelo contrário.

Eu até acho que as nossas casas deviam falar, todas elas funcionam exatamente porque têm uma forte componente hierárquica. Porque se nós não tivéssemos essa capacidade hierárquica, e alguns destes Governos não percebem quando delegam as funções, que no dia em que perdermos a capacidade hierárquica, de saber quem manda e quem obedece, provavelmente as coisas vão se complicar a seguir. Dura exatamente porque tem essa fórmula e esse pensamento, ninguém planeia melhor que os militares.

Não tenho dúvidas sobre isso. Todos os civis mesmo na PJ, e mesmo a PSP, utilizamos o planeamento militar, e se há alguma coisa no planeamento operacional são os militares.

Não á aqui nenhum fantasma nisto. É apenas uma questão de regras.

 

Resposta do Professor Rui Pereira

Em relação aos militares eu queria dizer o seguinte: também partilho esta opinião do Dr. Carlos Anjos. Eu também tenho o maior respeito pelos militares das Forças Armadas.

E queria dizer isto, não em termos retóricos, mas o que eu penso a sério.

A distinção entre Segurança e Defesa é uma distinção do interesse, também, e se calhar sobretudo, da instituição militar.

Quer dizer. O que de pior pode acontecer a uma instituição militar é ser envolvida em problemas de segurança interna, ou de ordem pública.

Eu sempre retive a pior ideia possível de ver missões de policiamento em estações de caminho-de-ferro - e vi em França - ou aeroportos, por militares.

Em situações limite, poderá ser necessário. Na iminência de um ataque terrorista, seja o que for. Mas daí a haver ações de policiamento por militares são a pior ideia possível. Para quê? Para resolverem o problema entre um carteirista e a vítima do carteirista? Isso descaracteriza completamente as Forças Armadas.

As Forças Armadas são uma instituição que tem que representar o país no seu todo. E portanto, só podem intervir em questões de segurança quando essas questões de segurança são questões que envolvem a integridade do país. Que envolvem o Estado a um nível superior. Por isso eu falo de crimes de tráfico no mar alto, ou de atentados terroristas, ou de grandes questões a esse nível.

Agora, na criminalidade normal, as Forças Armadas não têm muito interesse nisso.

Quando eu dizia com alguma ironia - e tenho muitos amigos, alguns, pelo menos são oficiais generais - quando eu dizia que alguns militares acreditam na paz perpétua, é no sentido de, de vez em quando… é como quanto ao terrorismo. Estamos um ano sem um ataque terrorista. Acabou o problema do terrorismo.

Não acabou nada.

Podemos estar quarenta anos sem um atentado terrorista em Portugal, mas isso não significa que o terrorismo não seja uma ameaça e que não tenha que ser prevenido!

As Forças Armadas são necessárias no país.

Eu creio que hoje há muita gente que pensa assim: Portugal é um país pequeno. Se houver um ataque, tem de ser defendido através da NATO. E se a Espanha nos atacasse, o melhor era fugir para mar - para além disso ser um cenário muito remoto.

Isso é tudo muito disparatado!

Não há nenhum país soberano que possa prescindir da capacidade de defesa militar.

Por exemplo, nós há pouco tempo tivemos uma experiencia muito interessante e pedagógica desse capítulo, que foi a experiencia de Timor Leste.

Timor Leste seria alguma vez independente se o povo timorense não tivesse pegado em armas?

Não quer dizer que tivesse capacidade para vencer a Indonésia! Mas a Comunidade Internacional não mexeria um dedo se não houvesse resistência, propriamente, dos timorenses.

Portanto, se houvesse algum ataque armado a Portugal, sem capacidade de resistência de portugueses, não haveria nenhuma hipótese de auxílio internacional, por exemplo.

Portanto, as Forças Armadas servem para a defesa externa, servem para missões de proteção civil, servem, na minha opinião, para coadjuvar, para ajudar, para colaborar na segurança interna em relação aquelas questões magnas.

Questão diferente é de saber se os militares não podem desempenhar quaisquer cargos. Podem sim senhor!

Não vejo nenhuma razão para um militar não ser Diretor Geral, Diretor Nacional, não ser Ministro, Presidente da República. Porque não?

Aqui o problema que se põe – e eu acho que, realmente é assim que a questão se põe - é se pode haver uma Força de Segurança, ou uma Polícia, que tem duplo estatuto. Quer dizer, que tem uma divisão! É esse o único ponto que realmente ponho, porque isso acaba por não ser um fator de coesão.

Portanto, é simplesmente isso.

Mas queria tornar claro que não há nenhum preconceito contra os militares, e que, na minha perspetiva, a separação constitucional de competências é uma separação, também, em benefício da própria instituição militar, porque, ai das forças militares que sejam lançadas na ordem pública. Descaracterizam-se!

 

{slider Considerações Finais pela voz do Juiz Conselheiro António Bernardo Colaço}

2conf conclusoesPONTOS NOS ii

1. As Considerações Finais visam formular juízos e assentar pistas seguras para a compreensão e solução definitiva do problema do Estatuto da Polícia Marítima (PM). Abrangendo o essencial das intervenções aqui produzidas, estarão isentas de adjetivações depreciativas, pois, tal como o propósito da Conferência, não são direcionadas seja contra quem for. Visou-se, isso sim, demonstrar, no tocante a PM, o ingrediente necessário e o incisivo fundamental para o acatamento de princípios e valores do Estado de Direito Democrático (EDD), que a nossa Constituição da República consagra.

Nesta atividade exegética, damos por adquirido o manancial do muito do que tem sido afirmado, podendo bem dizer-se que está praticamente tudo dito sobre o assunto. O que falta é uma decisão política séria e honesta quanto à PM.  

No entanto a tarefa para arrancar este tipo de decisão não é fácil, dada a resistência de alguns anti corpos. A sua concretização está no entanto bem ao alcance, face à realidade que nos rodeia. Imperioso se torna apenas substituir a perspetiva passadista por um posicionamento atualista sobre a questão. Esta Conferência representa o momento alto deste procedimento. Aqui se condensam o conhecimento e a experiência dos intervenientes, cujos perfis falam por si, caldeado por um debate saudável e crítico com a participação de todos os presentes sobre o tema em apreço.

2. O Policiamento Marítimo e toda uma problemática relacionada com a sua natureza e dependência funcional constituem o “nó górdio “ em sede de entendimento legislativo. O Despacho nº 4810/2012 de 09.03. do Sr. MDN reflete isso mesmo, quando reconhece a necessidade de proceder à clarificação e adequação da legislação da Polícia Marítima, face às alterações dos Decretos -Leis (DL) 43 e 44/2002 ambos de 2 de Março. Por sua vez, o resultado configurado no DL 235/2012 de 31 de Dez, complicou e baralhou tudo tornando a legislação extravagante ainda mais extravagante.

Embora pertinente, não é esta dimensão legislativa que está em causa nesta Conferência.

3. Se bem avaliei a pretensão da ASPPM, o objetivo da Conferência é: - que seja demonstrada com clareza a base institucional da PM,

   - que seja aferida a consequente exigência da sua caracterização como força de segurança, pelo reconhecimento da sua capacitação como OPC em pé de igualdade com as demais forças de segurança, e,

   - que, enquanto tal, e no quadro da Constituição da República, seja assegurada a sua natureza civil, em detrimento da matriz militarizada de que atualmente padece.

Pois bem.

Vamos então ater à lógica dos factos, numa sociedade em evolução cada vez mais exigente e ciente dos direitos, liberdades e garantias que a Constituição confere.    

4. Historicamente falando e na parte que interessa, a confiança na linearidade do processo revolucionário do 25 de Abril, à semelhança do que sucedia com os demais organismos policiais de visibilidade – a PSP e a GNR – também a PM foi expressamente militarizada pelo do DL nº 190/75 de 12 de Abril. Trata-se porém de um diploma pré-constitucional.

Veio a Revisão Constitucional de 1982, que pôs em causa e golpeou a militarização de corpos policiais. Reconfirmou a separação entre o conceito da Administração Pública (Título IX), onde inseriu a instituição - Polícia-, com a função de garantir a segurança interna (artigo 272º.1), e o da Defesa Nacional (Título X) a ser assegurada pelas Forças Armadas, com algumas nuances de cooperação e colaboração no plano interno, como as do estado de sítio, de emergência e calamidade pública (art.275º).

5. Era a sociedade e a democracia em evolução. A defesa e a validação do princípio de desmilitarização de instituições policiais, em nada desabonava a instituição militar nem operava contra o envolvimento de militares no uso da sua prerrogativa cidadã num EDD. Numa democracia, estando Portugal a caminho da Europa Democrática, afastada a tese de “inimigo interno”, a ordem e tranquilidade públicas, haviam de ser asseguradas por “funcionários públicos com autoridade”, o agente policial.

Numa situação de paz e de normalidade social não há motivo para existir policias militarizadas. Inexiste o condicionalismo que conduziu à sua criação; subsiste porém o perigo do uso que delas se possa fazer no futuro, como o passado recente o demonstrou. O que sobreleva é a relação que se estabelece entre o homem da rua ou do mar e o agente de autoridade, este seguramente mais vocacionado a subordinar-se a critérios de regulação social do que de sujeição imposta pela força.

Este entendimento se não é antimilitar, é seguramente antimilitarista, na medida em que, rejeita o envolvimento ou a solução militar para efeitos de segurança e da ordem pública democráticas no plano interno. As Forças Armadas têm o seu elevado prestígio a que nos habituaram. Não devem nem podem ficcionar o seu envolvimento fora do âmbito para o que estão preparadas e vocacionadas. Como bem sublinha Jorge Silva Paulo “ capacidade não significa competência”. Neste âmbito, a teoria de “duplo uso” chega a ser algo capciosa. Nenhum reparo há a fazer quando entendida no sentido de colaboração ou de cooperação com as forças policiais. A sua invocação chega a ser porém desprestigiante quando, para camuflar a carência na operatividade e da modernização das FF.AA, é usada para interferir no controlo, direto ou indireto, das forças policiais (que não se confundem com outros organismos civis), por dispor de melhores meios de “combate” e melhor combater certas formas de atividades criminosas. Avançar neste tipo de argumentação redunda simplesmente na desconfiança e desprestígio das forças de segurança portuguesas.

Rematando, dir-se-á que, para estes casos, e como bem conclui Pacheco Ferreira na sua intervenção, uma recíproca e responsável troca e não sonegação de informações, uma mútua cooperação entre as diferentes estruturas, a vigilância, a prevenção de atividade inimiga “pura ou impura”, são vias próprias para uma ação de combate eficaz contra a criminalidade a organizada. Só isso e nada mais que isso. Há que não olvidar que os meios a dispor das FF.AA. são pertença do Estado e não exclusivo daquelas, pelo que a sua disponibilização tem de ser criteriada em função das necessidades e salvaguarda dos interesses do Estado.

6. No plano da EU, a tendência em matéria da orgânica das forças policiais, é no sentido de desmilitarização das suas estruturas. É o que é defendido pelas duas grandes organizações de âmbito europeu como a Conselho Europeu de Sindicatos de Policia (CESP) e a EUROCOP. Da 1ª colhe-se a Carta de Polícia Europeia, que, entre outros assuntos prevê “a desmilitarização de todos os aspetos de serviço policial, e o seu direito ao sindicalismo”. Por sua vez, a 2ª, propõe-se nos seus estatutos “ promover, desenvolver, a profissão policial e o papel do serviço policial, como um corpo público civil, democraticamente controlado”.

A isto acresce o facto de na atualidade, as forças de segurança, portanto civis, ter atingido um grau de evolução e preparação tal, dispondo de meios e corpos orgânicos (os GOE e outros) capazes de fazer face a situações complexas de criminalidade organizada ou sofisticada ou “mob control ”.

7 – Trata-se afinal de respeitar a dimensão de princípios e valores por que a nossa Constituição se rege. E…. a Constituição é clara a este respeito em matéria de instituições, detentoras de uso legítimo de arma e de força, para a garantia de segurança interna. Se adotarmos a prática de consagrar o controlo militar de uma força de segurança fora das circunstâncias atualmente nela previstas na Constituição; se tentarmos instrumentaliza-la aos caprichos ou em função de circunstâncias de momento ou meramente conjunturais, pouco faltará que por aí pululem instituições ou se gerem comportamentos aproximando-se de retorno à tese de um Estado Autocrático sob o disfarce de democracia.

8 – Neste contexto, e salvo o devido respeito, nada explica nem justifica a militarização ou o controlo e a gestão da PM por militares da Marinha. A PM, enquanto órgão policial, com competência e atribuições próprias, integra o Sistema de Autoridade Marítima (SAM), definido como o quadro institucional formado por instituições que exercem poderes de autoridade marítima (art. 2º do DL 43/2002). É o exemplo típico de Water Police na Austrália, Bélgica, Israel e Suécia. As Autoridades Nacionais, integrando os correspondentes Sistemas (como é o caso da Autoridade Marítima Nacional (AMN)), são formatadas como estruturas abrangentes em matéria de planeamento, de administração e de coordenação, jamais podendo interferir na atividade policial “qua tale”. Como esclarece Mário Mendes, ex- Secretário- Geral de Segurança Interna “ a AMN é uma componente das FF.AA, da defesa nacional e não da Segurança Interna”. Está por isso eivado por cânones de anacronismo defender que a PM está sujeita ao ditame da AMN, sob pena de total descaracterização daquela polícia. E citando “ À PM tem de ser atribuído um estatuto próprio enquanto força de segurança, e estabelecer como é que se faz a ligação funcional à Armada, de maneira a aproveitar os meios disponíveis”. A ser assim, é pois irrelevante para o debate discutir se a AMN é uma estrutura civil ou militar. Já vimos que o que releva é o Sistema.

Não se trata pois de libertar a AMN, seja do que for. Esta seguirá o seu próprio caminho. Trata-se sim de “libertar” a PM, enquanto força de segurança, com todas as consequências que tal natureza implica, desde logo da sua componente militarizada. Enquanto órgão de polícia criminal, e no quadro das suas atribuições, tem por objetivo a busca da materialidade de um delito, por iniciativa própria, funcionando como auxiliares das autoridades judiciárias, sem intermediários nem tutelas, como decorre dos artigos 55º e 248º e ss. do CPP. A postura do Pacheco Ferreira é bem relevante neste sentido. Tal viria a constituir uma mais-valia de significativa envergadura para a comunidade geral e ao estrato marítimo em especial, dada a grande mobilidade e facilidade de contacto de que a PM desfruta.

9. Decorre inequivocamente desta Conferência que a legislação relativa á PM atualmente vigente, está em rota de colisão constitucional, desde o preceito que a qualifica pela sua composição por militarizados e militares, reproduzido em vários outros diplomas (cf. por todos o DL- 235/2012 de 12 de Out., passando pela sua dependência da AMN, até ao seu inegável controlo por oficialidade da Marinha. A ASPPM tem sido pródiga em denunciar todo um conjunto de atropelos e anomalias no funcionamento desta instituição policial decorrentes deste inconformismo da lei reguladora.  

A solução está à vista e na disponibilidade do poder político se assumir em conformidade com o EDD que todos queremos ver prestigiado. Tal passa singelamente por alinhar legalmente a PM no rol de forças de segurança nacionais, portanto de natureza civil, com funções e atribuições próprias na área específica para a sua atuação.                                             

{slider Encerramento}

 Em edição

{slider Agradecimentos}

A ASPPM agradece a todos os oradores, moderadores, convidados, elementos da organização e demais conferencistas pela participação na reflexão conjunta na 2ªConferência da ASPPM.

Aos ilustres oradores, Deputado do PSD Paulo Simões Ribeiro, Desembargador Antero Luís, Procurador Manuel Pacheco Ferreira, Professor Rui Pereira, Professora Marta Chantal Ribeiro, Professora Célia Costa Cabral, Dr. Carlos Anjos, Dr. Manuel Catarino, Comandante da Marinha Mercante Hélder Almeida e CMG Jorge Silva Paulo, A ASPPM agradece a partilha dos conhecimentos académicos, investigação e experiencia profissional que enriqueceram sobremaneira o debate.

Ao juiz conselheiro do STJ, Dr. António Bernardo Colaço, a ASPPM agradece a excelsa moderação da 2ª Conferência da ASPPM.

Aos líderes dos grupos parlamentares do PSD, PS, CDS, PCP e PEV, ao Ministro da Defesa Nacional, à Ministra da Justiça, ao Presidente do Governo Regional dos Açores, à Procuradora-geral da República, à Autoridade Marítima Nacional, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a ASPPM agradece a honra de se haverem representado na 2ª Conferência da ASPPM.

Um agradecimento especial aos digníssimos Comandante-geral da Polícia, Juiz do tribunal Marítimo, Procuradora do Tribunal Marítimo, Vereador do Pelouro da Segurança da Câmara Municipal de Lisboa, Comandante da Polícia Municipal de Lisboa, e aos diversos Comandantes Locais da Polícia Marítima por terem honrado o evento com a sua presença.

Ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ao Sindicato de Oficiais da Marinha Mercante, Associação de Armadores da Marinha de Comércio, Clube de Oficiais da Marinha Mercante, Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF, Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal da PJ, Sindicato de Oficiais de Polícia, Associação Sindical dos Funcionários da ASAE, Associação Sindical dos Profissionais de Polícia da PSP, Associação dos Profissionais da Guarda, Comissão Coordenadora Permanente da Associações e Sindicatos das Forças e Serviços de Segurança, a ASPPM endereça o mais profundo reconhecimento por, uma vez mais nos acompanharem na árdua atividade de representação coletiva.

Aos profissionais da Polícia Marítima, académicos, juristas, militares e a todos os que decidiram participar nesta reflexão conjunta, a ASPPM expressa sentidos agradecimentos.

Miguel Soares - Presidente da Direção Nacional da ASPPM

 

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