Cartaz 4 conferência v23 001

Abertura

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A presidir à abertura, o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor Doutor Pedro Romano Martinez

 

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Discurso do Presidente da Direção Nacional

https://www.youtube.com/watch?v=osK9ujjuTOY

Exmo. Senhor Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mui ilustre Professor Doutor Pedro Romano Martinez

Aceite V. Exa., em nome da Associação-sócio Profissional da Polícia Marítima, os mais sinceros agradecimentos.

É com enorme agrado que vemos esta Faculdade acolher a nossa 4ª Conferência, uma reflexão coletiva que promete a mais elevada dimensão intelectual e académica.

Permita-nos igualmente afirmar que esta Escola do Direito é também a nossa escola, pois nela sentimo-nos em casa.

Aqui escutamos, aprendemos, discutimos, examinamos e aprofundamos reflexões em matérias tão importantes e complexas como o Sistema de Autoridade Marítima, a segurança marítima, a investigação criminal marítima e o futuro preconizável para a autoridade do Estado no mar no atual quadro constitucional.

Sendo este espaço de ensino universitário por onde passaram os maiores vultos e pensadores do Direito, uma academia centenária aberta à reflexão, à investigação, ao estudo e ao debate científico, cremos que, uma vez mais aqui se fará história, se discutirão questões de constitucionalidade duvidosa que assomam a Polícia Marítima e o exercício da autoridade do mar.

Exmos. Senhores Deputados e demais representantes dos grupos parlamentares;

Exmo. Dr. Alberto Coelho, em representação de S. Exa. o Ministro da Defesa Nacional;

Exma. Senhora Secretária-geral do Sistema de Segurança Interna;

Exmo. Senhor Comandante-geral da Polícia Marítima, e demais dirigentes ou representantes das Forças e Serviços de Segurança;

Ilustres Senhores magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e representantes das respetivas estruturas sindicais;

Ilustres representantes da CGTP-IN, UGT, Sindicato de Oficias de Justiça, e Sindicatos e associações representativas de profissionais das Forças e Serviços de Segurança;

Ilustres representantes das Associações de Militares das Forças Armadas;

Exmos. Senhores representantes de outras entidade civis e militares;

Ilustres Oradores e moderadores;

Ilustres Convidados

Estimados Associados e demais profissionais da Polícia Marítima;

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Pela primeira vez se ousa debater com seriedade, com total liberdade intelectual um tema estruturante do Estado de Direito que tem sido hábil e intencionalmente arredado da comunidade jurídica, académica e judicial.

Refiro-me ao tema central da nossa 4ª Conferência, as questões de constitucionalidade da estrutura e organização da Polícia Marítima, dos direitos fundamentais dos seus profissionais e da sua interrelação com outras entidades que exercem a autoridade do Estado no mar.

Tendo presente o quadro legal originário da Polícia Marítima, criado em 1995 no SAM, na dependência direta do Ministro da Defesa Nacional, estruturado numa organização única para todo o território nacional nos precisos termos preceituados na Constituição, vemos hoje suscitarem-se dúvidas sobre a natureza da força policial e sobre a sua autonomia relativamente às Forças Armadas, por contraposição à conceção integradora da Polícia Marítima enquanto serviço da Autoridade Marítima Nacional.

Dúvidas essas que nos merecem a maior preocupação.

Desde logo porque sendo a Autoridade Marítima Nacional uma estrutura de coordenação de órgãos da Marinha, criada de forma artificial para legitimar a intervenção militar em matéria de segurança interna, não poderia esta estrutura coordenadora integrar no seu tecido orgânico uma força de segurança.

E foi prosseguindo um alinhamento político transverso assente num conceito pré-constitucional de duplo uso militar, ancorado em noções da teoria económica, economias de escala e sinergias incompatíveis em razão da natureza das suas missões, que a Polícia Marítima viu ameaçada a sua autonomia e a sua personalidade institucional por ação dos sucessivos Governos da República Portuguesa.

Refiro-me à redação dos Decretos-Lei nº 44/2002, de 02 de março, 233/2009 e 235/2012.

Nos termos daqueles diplomas, a Polícia Marítima constitui, não uma força de segurança, mas um serviço da Autoridade Marítima Nacional, enquanto instrumento ao serviço das missões particulares da Marinha, das suas competências alegadamente heterogéneas e capacidades multifuncionais, identificativas de componentes de ações tidas como não militares.

Imagine-se o que esta conceção permitiria se transportada para os restantes ramos das Forças Armadas: a inevitável militarização da segurança interna.

Esta hábil nublosa jurídica tem permitido à instituição militar obter acolhimento politico para sucessivas alterações á estrutura, organização e competências da Polícia Marítima, à revelia da legitimidade constitucional.

Será constitucionalmente admissível que uma força de segurança e polícia criminal se veja refém da instituição militar?

Será constitucionalmente aceitável que uma força de segurança veja a programação do seu investimento ser decidida e concretizada pelas Forças Armadas?

Será constitucionalmente admissível que o comando de uma força de segurança e órgão de investigação criminal seja provido a todos os níveis exclusivamente por militares da Marinha subordinados a uma Chefia militar e com normal progressão na carreira militar?

Em que medida aceitará a Constituição que a Polícia Marítima seja coordenada pela Chefia da Marinha em situação de normalidade democrática?

Que o chefe da Marinha exerça poderes disciplinares sobre a Polícia Marítima, avocando louvores e distribuindo recompensas?

Que o chefe da Marinha detenha competência hierárquica sobre o Comandante-geral da Polícia Marítima em matéria de gestão interna da Polícia?

Que o chefe da Marinha detenha legitimidade passiva para contestar ações judiciais sobre atos praticados pelo Comandante-geral da Polícia Marítima?

Estaremos nós perante uma Força de Segurança, ou um apêndice da instituição militar?

O tema que nos congrega hoje neste espaço universitário permitirá inferir ainda sobre a verdadeira supremacia da Constituição, enquanto princípio basilar do Estado de Direito.

Um tema que apontará com suficiente segurança para as evidências de inconstitucionalidade.

Que Estado de Direito se afirma como tal quando a autoridade do Estado, concede às forças armadas sob a capa artificial de uma organização civil, competências para patrulhar as praias e o mar territorial, para coordenar forças policiais, para fiscalizar atividades comerciais, lúdicas e turísticas, para recolher a identificação de cidadãos nacionais e estrangeiros, proceder a medidas de polícia, cominar a desobediência criminal e a utilizar armamento de fogo sob cidadãos, com o beneplácito dos órgãos de soberania?

Quando o dirigente máximo de uma Polícia se vê exonerado do cargo policial por proposta de uma chefia militar com base numa alegada conduta desleal, não estaremos nós perante uma inaceitável ingerência das Forças Armadas?

Qual é o limite do Constitucionalmente admissível?

Que Estado de Direito é este, onde a tutela governamental decide pela exoneração do dirigente máximo da Polícia Marítima a pedido da chefia militar da Armada, e remete os fundamentos da medida para mesma chefia militar?

Como convive o Estado de Direito com ordenações de tal gravidade, impensáveis numa sociedade hodierna, estruturada e organizada democraticamente?

Quando os direitos fundamentais dos trabalhadores das forças policiais: o direito ao trabalho em condições de dignidade; o direito à fixação de limites nas jornadas de trabalho; o direito a retribuição pela quantidade, qualidade e natureza do trabalho prestado; o direito a uma carreira profissional; o direito à igualdade, à negociação coletiva e à liberdade sindical se vêm politicamente arredados com base no argumento economicista escudados na tolerância política dos órgãos de vigilância constitucional?

De que valem as juras de fidelidade à Constituição quando por tolerância se permite tais desvio à lei fundamental?

Como diria uma ex-chefia militar, vários Governos e Presidentes da República conviveram bem com essa normas e não suscitaram dúvidas.

Pois bem. Não o fizeram os responsáveis políticos, mas fá-lo-emos nós aqui presentes, numa reflexão coletiva assente na contemporaneidade de 40 anos da nossa Constituição.

E termino dirigindo um especial agradecimento ao Exmo. General Loureiro dos Santos, que por razões de saúde não pode estar presente; ao Venerando Juiz Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, que por imprevistos de última hora não poderá abrilhantar esta sessão; e uma palavra de imensurável gratidão aos oradores que acederam a partilhar algum do seu vasto conhecimento e ao juiz Conselheiro Bernardo Colaço, pela credencial intelectual que inculcarão na exigente reflexão que hoje aqui se fará.

Muito obrigado pela vossa presença.

 

 Intervenção do Comandante-geral da Polícia Marítima

4conf cgpm Exma. Senhora Procuradora, Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna

Exmo. Sr Dr. Alberto Coelho, em representação de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional,

Exmos Senhores Deputados,

Exmos Senhores Juízes Conselheiros,

Exmos Senhores Magistrados do Ministério Público,

Exmos Senhores Almirantes ex-Comandantes-Gerais da PM,

Exmos Senhores Professores Romano Martinez e Bacelar Gouveia,

Exmos Senhores comandantes, diretores e chefes de órgãos de polícia e de polícia criminal,

Senhores representantes de organismos associativos e sindiciais,

Senhor Presidente e dirigentes da Associação Sócio-Profissional da PM,

Senhores membros da PM, e demais elementos de outras forças policiais,

Exmas Senhoras e Senhores,

Quero, desde logo, manifestar o meu reconhecimento por ter sido convidado a proferir umas palavras na abertura desta reunião magna da ASPPM, a qual conta com a participação de tão Ilustres palestrantes e conferencistas.

Atenta a matriz teórica desta 4ª Conferência sobre assuntos que a ASPPM identifica como de interesse relevante para a Polícia Marítima, e considerando o quadro das questões constitucionais que vão ser objecto de análise e de debate, entendo que é importante partilhar convosco a minha visão sobre alguns aspetos de avaliação, que penso serem fundamentais para uma boa percepção do que está em apreço.

Neste contexto, é basilar partirmos da premissa, que é correcta, que a reforma de 2002 não foi uma mera correção de cariz estético à orgânica da Autoridade Marítima, bem como é fundamental assentarmos em que a preocupação de constitucionalidade que estava expressa nas disposições preambulares do Decreto-Lei nº 248/95, de 21 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM), não foi, igualmente, uma mera referência de estilo, antes essencial para a reforma e para a institucionalização do que a PM é hoje.

Tanto uma, como outra, inserem-se, claramente, num quadro evolutivo de construção desta secular Polícia, a qual, em 1995, ganhou, inegavelmente, um pendor definitivo neste seu caminho mais recente, mas já de décadas, de conceder à PM as capacidades, a identidade, o prestígio e o reconhecimento públicos que lhe são devidos, não apenas pela sua história mas, em especial, pela determinante importância que uma força policial com estas características tem, e deve ter, num Estado Costeiro como o Português, detentor do 19º espaço jurisdicional mais vasto do mundo, com amplas responsabilidades acrescidas em matéria de actos e medidas de fiscalização e de polícia, no âmbito da protecção e preservação do meio marinho e segurança da navegação. No fundo, a essência material de quase todas as funções que a CNUDM incumbe ao Estado Costeiro, cujo âmbito jurisdicional de actuação é, conforme resulta da lei, todo o espaço sob soberania e jurisdição nacional.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

É, precisamente, atendendo a estas premissas, que correspondem a factos, que entendo não ser correcto falar-se, por exemplo, em “militarização da PM”, quando toda a opção legislativa assumida desde 1995 indica, claramente, o contrário de uma tal alusão. O artigo 3º do Estatuto da PM expressa, aliás, a materialidade do que acabei de afirmar, ao definir que à PM é subsidiariamente aplicável o regime da função pública, sabendo todos nós, também, que muitos dos 25 diplomas que já foram publicados e constituem o quadro normativo da PM, tiveram como suporte de comparativo a legislação aplicável à Polícia de Segurança Pública, e não a legislação estatutária militar.

Aliás, quando o legislador de 1995 enunciou, com toda a clareza, a preocupação de invocar o quadro constitucional, aquando da construção desta Polícia Marítima, fê-lo com a clara noção do que significa manter esta polícia de especialidade unida, e intrínseca e materialmente agregada à Autoridade Marítima, em cujo âmbito funcional, claramente, desenvolve a sua actividade e exerce as suas competências. Refutarmos isto não nos parece uma atitude intelectualmente honesta e levará, não tenhamos dúvida, a exaurir a identidade da PM, e a sua óbvia ligação à res marítima, e equivalerá, ainda, a votar ao abandono todo o labor construtivo de décadas, que se vem preocupando com o reforço da essencialidade desta Polícia, que é o apoio às gentes do mar, aos pescadores e aos nautas, e às comunidades marítimas, bem como a garantia da regularidade de todo o manancial de actividades marítimas e portuárias que actualmente se desenvolvem nos nossos espaços. Ora, isto é, afinal, o grande quadro de objectivos da Autoridade Marítima, e a razão determinante pela qual ela existe no ordenamento jurídico nacional há mais de 200 anos.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Isto nada tem de estranho, de peculiar ou de inconstitucional! O que revela, sim, à exaustão, é que o Estado entende que, na prossecção do interesse público que estabelece, é absolutamente determinante, e lógico, manter uma Polícia especial, com perícias e capacidades próprias, e com competências para executar, no quadro legal, acções e medidas cautelares e de polícia, a exercer a sua actividade num quadro institucional e material mais vasto que lhe dá sustentação funcional e razão de ser. O Estado, como detentor do poder público, assume esta Polícia – a nossa PM - numa base de lógica funcional, e não num qualquer comparativo orgânico, não deixando de lhe conferir um estatuto de grande especialidade, próprio do tipo de actividade policial, única, que exerce.

Nestas circunstâncias, não considero que a ligação da PM à Autoridade Marítima seja meramente institucional ou sequer instrumental, muito menos irrelevante; assim como não é irrelevante, por exemplo, a ligação da ASAE às questões da Economia, em cuja tutela se insere, e da Polícia Judiciária ao quadro da Justiça, em cujo âmbito departamental exerce as suas funções. Basta acompanharmos as notícias dos vários acontecimentos que têm ocorrido em Portugal ou na Grécia, para, facilmente, concluirmos que a PM é, hoje, uma marca identitária do Estado Português em tudo o que se reflecte na segurança da faixa costeira dominial, na protecção e preservação do meio e na segurança da navegação, até no salvamento e socorro marítimos, embora não seja esta a sua prioridade funcional.

A PM é absolutamente essencial ao exercício da autoridade pública do Estado nos espaços dominiais, balneares, portuários e em todo o espaço soberano e jurisdicional marítimo, e esta é, antes e agora, uma verdade irrefutável. Não há outra força policial que se possa confundir com a sua identidade, com o seu quadro de intervenção ou com o seu perfil de especialização e actuação profissional, ou com as perícias e meios náuticos e tecnológicos que detém, e que vimos construindo. E é precisamente esta sua muito significativa especificidade, que nos orgulha, que a afasta, em termos materiais, das demais forças policiais, pela qual eu, como Comandante-Geral, me tenho batido e me vou continuar a bater.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A PM contribui, pois, indubitavelmente, para o exercício soberano da autoridade pública do Estado Português e é, actualmente, no modelo que temos, no contexto em apreço, uma Polícia de grande relevância funcional. Até porque, como resulta da lei, e em especial em matéria de proteção e preservação do meio marinho, sobretudo quando está em causa a fiscalização da atividade das pescas e toda a problemática da poluição do mar, a PM pode atuar até ao limite exterior da Zona Económica Exclusiva, o que lhe dá uma base caracterizadora específica em termos da intervenção jurisdicional face às outras polícias nacionais.

Neste contexto, é importante afirmarmos que, para um tal exercício de autoridade, é imprescindível à PM a utilização dos meios navais da Marinha no formato, e observados os modelos de cooperação, em que os mesmos são usados, por exemplo, pela Polícia Judiciária, pelos inspetores de pesca, no âmbito da NAFO e, no aplicável com o SEF, garantindo-se, desta forma, uma efectiva actuação em espaços jurisdicionais nacionais, que faça cumprir e impor a lei.  

Sobre o exercício dos poderes policiais em tais espaços, a minha leitura é que qualquer outra opção adoptada para a PM será manifestamente pior e mais inadequada. Poderá corresponder, até, no limite, à desmaterialização estrutural e funcional da própria PM, podendo reduzi-la, por exemplo, a uma mera polícia de implantação portuária, o que seria uma ínfima expressão da sua matriz estruturante. Isto mesmo tenho reiterado aos órgãos directivos da Associação nas regulares reuniões de trabalho que temos mantido desde que assumi funções.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

No debate neste seminário não devemos confundir o âmbito de actuação da PM com o foro de intervenção dos Capitães dos Portos. Nunca o fiz, e já os meus antecessores haviam assumido esta visão, que tenho como certa. Não podemos, nem devemos, criar mecanismos de confusão entre o que é uma autoridade de perfil técnico-administrativo, com uma força policial. Contudo, nada disso está em causa, como, sinceramente penso, e já provei com as dezenas de Despachos que assinei e publiquei neste ano e quase meio que levo de comando da PM, bem como no reforço identitário que vimos conseguindo, com a total compreensão, validação e apoio da nossa tutela governamental. É, neste contexto, que não me parece ser relevante para as questões de constitucionalidade, invocar que são oficiais de Marinha que exercem as funções de capitão do porto e, portanto, no seu foro próprio, e nos termos da lei, de órgãos de comando da PM.

O facto de existirem, em várias áreas do ordenamento jurídico nacional, militares que, como os órgãos de comando da PM, exercem outras funções, que não as que se inserem no foro específico de actuação das Forças Armadas, deve ter uma leitura adequada, sistémica e enquadrada no propósito dos respectivos departamentos de Estado. É a lei, e as competências e missões que dela decorrem, que definem, qualificam a competência e o mandato, e não a qualidade profissional do cidadão. De facto, e a título exemplificativo, na Administração Interna, há militares a exercer funções na Guarda Nacional Republicana, na Protecção Civil e, em âmbito das Autarquias, nas estruturas municipais de Bombeiros. Na Autoridade Nacional de Segurança, também. E, na tutela do Mar, na Direção-Geral de Política do Mar, na Direcção-Geral de Recursos e Serviços Marítimos, entre outras entidades. Como encarar, então, esta realidade em termos de filosofia de empenhamento dos recursos do Estado? Será que por prestarem serviço fora das Forças Armadas, os militares deixam de ser bons no seu ofício e não conseguem desempenhar outras funções, pondo ao serviço do País a excelência das suas competências? Também será isto inconstitucional? O que fazem aqueles militares, muitos deles no activo, naquelas funções? Como entender esta aparente disfunção de análise? Não é, pois, perceptível esta dualidade de opiniões sobre uma mesma questão!      

Nestas circunstâncias, não creio que se deva trilhar o caminho de afirmar que os militares estão impedidos de exercer um certo tipo de funções, como se fossem cidadãos que, além de terem restrições legais de exercício ao nível político-partidário, terão uma espécie de direitos de acesso restringidos ou de capacidades mitigadas para o exercício de determinados cargos na Administração Pública. Esse, sim, será um caminho com eventuais questões de constitucionalidade agregadas que, por serem facilmente enunciáveis, dispensam mais desenvolvimentos.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Também não me parece que a discussão clássica entre Segurança Interna e Defesa Nacional, em todas as vertentes que a mesma pode ocorrer, seja, em si, o móbil teórico que permita, em toda a sua latitude e amplitude, colocar em causa a lógica pública que visa racionalidade estrutural, optimização de meios e, sobretudo, uma indesmentível coerência funcional que esta construção da Autoridade Marítima Nacional e a sua dependência directa do Ministro da tutela, claramente, propiciam.

A lei identifica as premissas jurídicas do cargo de comandante-geral da Polícia Marítima, que competências detém, e de quem depende. A lei define que é ele o órgão superior de comando da PM e o seu dirigente máximo, pelo que não parece existir margem para se alegar que o poder superior de decisão quanto ao comando, direcção e gestão da PM não reside no comandante-geral, mas noutro nível qualquer. A expressão legal é clara e objectiva, quanto ao poder executivo para a prática dos actos e procedimentos de gestão da força.

Por seu lado, e como ente institucional de topo que encima o quadro de órgãos da AMN, a Autoridade Marítima Nacional não tem poderes efectivos de comando policial da PM, sendo, contudo, a sua configuração, um sucedâneo jurídico lógico, pelo facto dos Governos, desde há 14 anos, entenderem que não é possível manter uma estrutura de autoridade marítima, e, no aplicável, de Polícia Marítima, sem que exista uma fortíssima sustentação logística, em pessoal e material, por parte da Marinha, factor que hoje é, até, aliás, uma obrigação jurídica, por força impositiva do artigo 2º da Lei Orgânica da Marinha. A não ser que, muito inesperadamente, houvesse uma qualquer decisão política que entendesse reforçar a AMN com mais várias centenas de efectivos e poder despender mais quase duas dezenas de milhões de euros/ano para recriar, e manter, capacidades, estruturas, equipamentos e recursos num outro formato qualquer.  

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A AMN, como tal, não é um cargo militar, nem nada na lei o identifica como tal, ou como sendo da Marinha. Se a leitura legal tivesse uma tal singeleza, a lei referia-se, simplesmente, ao Chefe do Estado-Maior da Armada, sem necessidade de mecanismos jurídicos adicionais, ou de construções legais específicas, como esta, da AMN. Ora, não é isso que o nosso ordenamento jurídico define. O que se estatui, muito claramente, está no nº2, do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/2002, e no artigo 2º do Decreto-Lei nº 44/2002, preceitos que devem ser lidos na forma que o legislador estabeleceu, e não naquilo que não enunciou. Aliás, é hoje expressamente claro, desde 01 de janeiro de 2015, pelo texto do artigo 41º da Lei Orgânica de Marinha, que os órgãos e serviços da AMN não são parte integrante da Marinha.

Creio, por isso, ser completamente inadequado persistir-se na ideia de que, pelo facto da AMN ser apoiada pela Marinha, a PM é um seu “apêndice”, a não ser que queiramos alcançar uma de duas finalidades: continuar a esgrimir com princípios abstractos, de forma a confundir pessoas menos conhecedoras dos enquadramentos legais e dos procedimentos vigentes; ou participar em debates, talvez mais académicos e dos foros filosófico e sociológico, lidando com argumentos e contra-argumentos sobre as várias abordagens que podemos ter às diversas questões, e aí, claro está, teremos toda a liberdade que o nosso raciocínio e quadros de apreciação permitirem.

Notem, V. Exas., que a PM não é uma estrutura da Marinha. Por isso, não tem perfil militar, não tem características estatutárias militares, não tem dependência militar e as suas missões e quadros de competência não são, nem nunca foram, militares. Estes são factos evidentes, indesmentíveis na sua formulação e na sua execução. Esta força policial não é uma qualquer forma de exercício de uma autoridade militar ou, como antes referi, um “apêndice” da Marinha. A PM, é, na exactidão dos termos expressos na lei, “uma polícia de competência especializada nas áreas e matérias atribuídas ao Sistema da Autoridade Marítima e à Autoridade Marítima Nacional”, sendo a sua especificidade funcional resultante do facto de, portanto, lhe estar cometida, em termos de actos, procedimentos e medidas de fiscalização e de polícia, a execução das competências que a lei comete à Autoridade Marítima Local.

Em síntese, a PM não é meramente instrumental; é, e continuará a ser, estruturante no exercício da Autoridade Marítima do Estado Português.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Concluo, referindo-me a um outro aspecto que me parece relevante para o tema deste seminário. Para isso, sublinho que, no seu longo percurso legislativo, já foram objecto de análise e aprovação parlamentar 5 Leis que, directa e indirectamente, resultam do preceituado no Estatuto da PM, e cuja matéria exigiu uma tal forma legal, pelo que, também neste aspecto, não me parece correcto afirmar-se – como se tem, por vezes, aludido - que o caminho da construção da PM tem sido feito à revelia da Assembleia da República e da sua validação jurídico-parlamentar. Não é crível, sequer pensável, que desde a primeira Lei publicada no quadro da PM, a 06 de Agosto de 1998, até à última, em Junho de 2015, ou seja, durante 17 anos, não se tenha, formalmente, concluído, que seria necessário inverter um tal caminho e, consequentemente, induzir toda uma restruturação nas bases que regulam esta Polícia!

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Podem haver discordâncias de pontos de vista, podem assumir-se entendimentos diversos sobre esta questão, podem até existir visões jurídicas não coincidentes sobre esta matéria, mas o facto é que o caminho percorrido tem sido inequivocamente claro e, pelo que indubitavelmente se comprova, validado pelos órgãos de soberania, pelo que não me parece correcto, a este propósito, aludirem-se, em permanência, questões de eventuais inconstitucionalidades.

A sedimentação de capacidades e perícias profissionais e materiais, nomeadamente a obtenção de mais e melhores meios humanos, náuticos e tecnológicos, bem como o reforço dos quadros legais estruturantes da PM é o caminho que se impõe que continuemos a trilhar com firmeza, coragem e galhardia.

Por isso, persistirmos em tais questões e eventuais inconstitucionalidades, significará um desvio desconexo, e que entendo como não adequado, àquele que deve ser o caminho para esta Polícia, que hoje é, claramente, uma Polícia Marítima com capacidades, com identidade, prestígio e reconhecimento na sociedade Portuguesa, e que continua a preencher o seu intuito último e a sua missão suprema: servir os Portugueses.

É para isso que, com abnegação, empenho e devoção, e na procura do interesse público, sempre actuaremos.  

Obrigado.

{/tab}

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