A Associação Sócio-Profissional da Polícia Marítima nota que, ciclicamente, surgem escritos militarmente avalisados sustentando uma perspetiva securitária, num insistente apelo à interpenetração das Forças Armadas nas atividades de Segurança Interna.
Mas será um país securitário, um país mais seguro?
Veja-se o exemplo de Luaty Beirão, que a pretexto de uma tentativa de assalto ao poder pela força da palavra, há mais de 6 semanas se vê privado dos mais elementares direitos inerentes à dignidade humana.
O securitarismo existe na razão inversa das liberdades fundamentais.
Mais securitarismo: menor liberdade; menores garantias.
Pronunciam os mais recentes Relatórios de Segurança Interna, que Portugal é um país seguro.
Se a criminalidade diminui consecutivamente; se a separação constitucional continua a justificar-se pela desproporcionalidade de meios da força militar; que intenções alimentarão os insistentes apelos ao securitarismo militar, sob a capa de eventuais ameaças transnacionais?
Nos auspícios de uma alternância governativa, vimos ontem publicado um artigo no Jornal de Defesa e Relações Internacionais, sob o título “As Forças Armadas na Segurança Interna. O caso específico do domínio marítimo”.
Artigo esse que, ora desvaloriza, ora não reconhece a separação constitucional entre a segurança interna e a defesa nacional, no que tange ao “domínio marítimo”, a ponto de sustentar-se na inexistência de fiscalização constitucional de diplomas, que, interpretados enviesadamente, favorecem uma leitura contrária aos preceitos da Constituição.
Esquece, porventura, a recente rejeição do projeto de Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional, que por opção dos parlamentares, arredou eventuais pretextos de intervencionismo militar na área da segurança interna.
A propósito da desmilitarização do mar, a Autoridade Marítima Nacional publicitou esta semana uma operação policial levada a efeito pela Polícia Marítima, tendo a Marinha prestado colaboração, disponibilizando para o efeito uma unidade naval, à semelhança do que sucede há décadas com outras entidades policiais.
Para aparente malgrado do militarismo, a operação parece ter corrido bem.
Cumpriu-se a Constituição. Agora é tempo de desmilitarizar a segurança marítima, assim exista coragem política. Porque a segurança interna - relembra a ASPPM - tem uma natureza puramente civil.
A Direção Nacional
O articulista, parece pretender retomar a mesma argumentação que em tempos idos, assente no conceito de "defesa nacional", Forças Armadas.
Esta perspetiva foi simplesmente desmontada no 1º Congresso Nacional de Segurança Interna, na significativa intervenção do então MAI - Dr- Rui Pereira, ao sublinhar que a Lei Fundamental continha o ingrediente normativo essencial - precisamente as expressões " cooperar e colaborar", ao que acrescentarei - as ressalvas do - estado de sítio; de emergência e de calamidade pública - para assegurar a paz, a tranquilidade e a segurança do cidadão num Estado Democrático, como Portugal é.
Se o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre o conceito estratégico, nem sobre o dimensionamento da segurança interna e da defesa, o seu alcance e limite, é porque ainda a questão não se suscitou diretamente, mas tal não significa que desse vazio, se conclua o contrário.
Seria importante e útil que o articulista entendesse que princípios constitucionais mesmo entendidos como programáticos não podem ser viciados interpretativamente, podem, isso sim, ser dimensionados às situações concretas; o contrário seria subverter a dinâmica constitucional, com particular destaque à 1ª Revisão ocorrida em 1982, como bem destaca o Sr. CMG/Res Jorge Silva Paulo.
Temos para nós que o domínio marítimo faz também parte do território nacional e que as Forças Armadas no seu conjunto têm a seu cargo a defesa da sua integridade, o que se entende como reportada ao exterior, rejeitada como está a tese do "inimigo interno".
Os perigos com incidência interna a que o articulista se refere, mesmo quando reportados maritimamente, apenas conduzem à ideia de que o respetivo policiamento seja melhor enquadrado e apetrechado, e não que este seja controlado ou dirigido em termos militares, sob pena de se tornar um "autêntico estado militar", numa situação de normalidade democrática e de paz.
A lógica do articulista conduziria a que, à partida, fossem desde logo desencadeadas medidas"preventivas" de natureza militarista, para evitar instabilidade.
Como o articulista bem sabe, nunca poderá estar em causa a defesa do território nacional - que naturalmente abrange o domínio marítimo - pelas Forças Armadas Nacionais, as quais por óbvio abrangem a Marinha. O que se discute é saber se o policiamento - atividade bem distinta da bélica - também deve estar sob o controle e direção militar, já que por natureza e finalidade, uma força de segurança, visando a ordem e tranquilidade pública no plano interno , envolvendo o cidadão, numa situação de paz e tranquilidade democrática, lida com prevaricadores, e não com " inimigo interno".
Em Portugal, um Estado de Direito Democrático e não autocrático, uma força de segurança é forçosamente de natureza civil. Já acima referimos às situações em que as Forças Armadas se envolvem no plano interno.
Ficcionar ou antecipar por isso perigos imaginários, para um enquadramento social de normalidade como o nosso, para justificar o controlo e direção das forças de segurança em termos militares, é retornar para o status anterior, encapotadamente em nome de democracia, e que derrubado foi com o 25 de Abril.
António Bernardo Colaço, Juiz Conselheiro do STJ (jubilado)
30 de Outubro de 2015
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