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Discurso do Presidente

                                                               

asppm pdnExmo. Senhor Diretor-geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos

Mui ilustre Eng.º Miguel Sequeira

Permita-me V. Exa. que lhe dirija as minhas primeiras palavras, pela honra de poder contar com vossa presença em representação de S. Exa. o Secretário de Estado do Mar, Professor-doutor Manuel Pinto de Abreu.

A participação de V. Exa na abertura desta 3ª Conferência da Associação Sócio-Profissional da Polícia Marítima tem para a promotora um significado especial, desde logo pela afinidade natural que nos congrega, a segurança do mar enquanto desígnio nacional.

Digníssimos oradores e moderadores

Ilustres convidados

Estimados Associados, Caros colegas,

Minhas senhoras e meus senhores

Agradecendo a presença de V. Exas nesta 3ª Conferência promovida pela Associação Sócio Profissional da Polícia Marítima, permitam-me uma singela declaração de interesses, pois que o tema central desta conferência vem concretizar o objetivo último do ciclo de conferências do Sistema de Autoridade Marítima: trazer à reflexão pública a Polícia Marítima.

Convido assim V. Exas. A fazer um pequeno périplo pelo ciclo de conferências do SAM.

Na 1ª Conferência afloramos o Sistema de Autoridade Marítima no seu sentido mais amplo.

Aclaramos as atribuições das entidades que exercem poderes de autoridade do Estado no SAM, com particular destaque para a Polícia Marítima.

Tateamos as entidades que, não atuando no quadro de atribuições próprias, providenciam por um imprescindível apoio das forças e serviços de segurança no SAM, como é o caso das forças armadas.

Passando pela 2ª Conferência do SAM, discutimos a dicotomia segurança/investigação criminal e esmiuçamos as entidades que exercem funções de segurança e de repressão da criminalidade marítima, onde a Polícia Marítima assenta a sua base genética, o seu ADN.

Chegados à 3ª Conferência do SAM, é tempo de aflorar a Polícia Marítima no seu todo, abordando o passado e tocando o presente.

Mas será em torno de uma icónica interrogativa que se fomentará a discussão.

Que futuro vaticina a Polícia Marítima?

Poderá a Polícia Marítima manter o seu lugar no Sistema de Segurança Interna com o atual quadro orgânico, com o seu exíguo efetivo e com um leque infindável de atribuições?

Cremos que a presente reflexão permitir-nos-á asseverar as virtualidades da instituição policial em face dos novos desafios para a segurança marítima, desafios esses que exigem especialização e afinidade com o ambiente marítimo.

Mas permitir-nos-á igualmente apontar o “calcanhar de Aquiles” da instituição policial: uma orgânica assente num quadro dirigente antinatural.

Permitir-nos-á refletir sobre a tutela ministerial, ou sobre a falta desta.

Permitir-nos-á pensar as dificuldades de afirmação da Polícia Marítima no SAM, subsequentemente ensombrada pela esteira da militarização.

Permitir-nos á concluir que se a Polícia Marítima não é o fruto de um ficcionado regime de sinergias e de economias de produção, mas resultado da dedicação de umas parcas centenas de homens e mulheres que se desdobram para concretizar os resultados extraordinários não raras vezes por outros reclamados

Permitir-nos-á ter um pequeno vislumbre do que poderia ser uma Polícia Marítima com adequado investimento e formação.

E é nesta perspetiva que se pretende desenvolver o tema da 3ª conferência do SAM:

Reconhecer a Polícia Marítima. O seu passado. O presente. Que futuro?

Obrigado pelo Vossa atenção

Discurso do Diretor da FDUL

Em edição

Discurso do DGRNSSM

Em edição

1º Painel: "A Polícia Marítima - Uma autoridade nos espaços marítimos"

Oradores:

Vice-Almirante Luís Medeiros Alves

Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia

Vice-Almirante Álvaro Cunha Lopes

Dr. João Caldeira Jorge

Moderador: Dr. Eduardo Dâmaso

 

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VALM Medeiros Alves

A Génese da Polícia Marítima

Em edição

Prof. Dr. J. Bacelar Gouveia

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"A Polícia Marítima no quadro Constitucional"

Muito bom dia a todos…

Eu vou deixar aqui algumas reflexões sobre o assunto, sobre o qual me pedem uma intervenção, que é a Polícia Marítima e a Constituição.

Mas antes de disso, também dar-vos dar conta da passada minha ligação a este tema, ou a estes temas, de uma forma mais ampla, não foi certamente o facto de ser um marinheiro de água doce, com a carta de marinheiro já caducada, ou de gostar do mar na ótica do utilizador – certamente isso será o menos importante – mas o mais importante é que, de facto tenho estado ligado nos últimos anos a vários assuntos do direito da segurança. Já agora faço aqui um pouco de contra publicidade em relação aquilo que fez o meu colega e amigo Jorge Duarte Pinheiro, porque de facto na Universidade Nova de Lisboa temos tido várias iniciativas nestas áreas, temos um mestrado já com 10 anos, um mestrado em Direito e Segurança, e no próximo ano vamos abrir o 3º ano Doutoramento em Direito e Segurança. E, precisamente, um dos temas é todos os temas da área da segurança interna e incluindo também aspetos concretos das forças policiais como é o caso da Polícia Marítima, e portanto temos de facto esta ligação em torno do direito e segurança.

Para me colocar no tema que me pedem para falar, que é sobre a Polícia Marítima e a Constituição.

Aliás, também agradeço esta oportunidade de ter sido convidado porque, isto para mim também, acreditem, que não foi fácil, pois tive de estudar. Não conhecia muito de perto, porque tenho estado ligado ao Direito e Segurança de outras áreas, mas, conhecer o mundo da Polícia Marítima não é uma coisa fácil à primeira vista.

Há, enfim, uma complexidade legislativa apreciável – e já foi aqui referido os dois decretos-leis o 43 e 44, aliás, um deles foi alterado recentemente, e depois, também, o diploma de base, o Decreto-Lei 248/95 – e, portanto, para alguém que não está por dentro, como eu não estou, da realidade da Polícia Marítima, foi um exercício com alguma complexidade de me informar sobre aquilo que realmente se passa e qual o âmbito de atuação da vossa corporação policial.

Até porque o Sistema de Autoridade Marítima é um sistema que tem, realmente, uma elevada complexidade. Pode-se dizer isso.

Complexidade e hibridez. Porque nós temos aqui um pouco de tudo: temos órgãos decisórios e órgãos consultivos; temos órgãos nacionais, órgãos regionais e órgãos locais; temos depois uma pluralidade de entidades que intervêm…

Portanto, para alguém que se encontra de fora, não é fácil propriamente mergulhar – julgo que deve ser a expressão exata – nesta realidade, mas esse é o meu dever, e é isso que eu tentarei fazer, focando a análise da Polícia Marítima na perspetiva, essencialmente, daquilo que a Constituição nos pode oferecer nesta matéria.

Mas quem olha para a Polícia Marítima encontra duas vocações complementares – aliás, o Sr. Almirante já referiu há pouco, isso – há uma vocação espacial, porque a Polícia Marítima identifica-se pelo espaço onde atua, e esse espaço é um espaço evidentemente marítimo – embora o espaço marítimo aqui seja necessário definir com rigor, porque os espaços marítimos não são todos iguais, sobretudo há uma contraposição entre os espaços marítimos que são de soberania nacional, águas interiores, estreitos, porventura, não temos, e mar territorial – a plataforma continental que não é um espaço marítimo mas é um espaço que está subjacente ao mar, mas também é de soberania – e, depois, espaços que não são de soberania, que são de jurisdição, que são a zona contígua e zona económica exclusiva. Mas aí também há uma intervenção e isso interessa para o Sistema de Autoridade Marítima. Reparem que a questão não é uma questão tão fácil como se gostaria, até porque, ainda por cima, faz muitas vezes alusão à Lei do Domínio Público Hídrico, que não é apenas um espaço hídrico, pode ser um espaço de natureza, pode ser um espaço terrestre contíguo ao espaço marítimo, e portanto, vejam muitas vezes a colocação espacial das diferentes entidades que intervêm não está previamente resolvida de uma forma clara.

Mas claro que, evidentemente, não há aqui uma dúvida sobre o essencial da Polícia Marítima, como um organismo de intervenção no âmbito do Sistema de Autoridade Marítima.

A outra vocação já não é espacial, mas é uma vocação funcional, que também faz parte da entidade da Policia Marítima, e essa vocação é dada evidentemente, diretamente pelo próprio Decreto-Lei 44/2002, quando dá a definição, minimamente satisfatória, do que é que é a Polícia Marítima, como força policial armada e uniformizada com competências especializadas em áreas de fiscalização ligadas ao mar, e em matérias e áreas legalmente atribuídas ao SAM e à Autoridade Marítima Nacional, composta por militares da Armada e agentes militarizados.

Depois o estatuto da Polícia Marítima também reforça essa definição através do artigo 2º, aí visando até as suas competências na preservação e na fiscalização das atividades marítimas e a segurança e direitos dos cidadãos. Depois o n.º 2 refere em particular a Policia Marítima como tendo uma natureza de autoridade de investigação criminal.

Portanto, estas são as duas vocações essenciais: uma vocação no âmbito da sua atuação espacial marítima; e uma vocação funcional dos seus poderes como polícia, que é isso que ela é, a Polícia Marítima.

Agora pergunta-se: O que é que isto tem a ver com a Constituição?

Em que medida nós podemos invocar a constituição, ou qual é o interesse da Constituição para percebermos melhor, e fazermos uma análise crítica daquilo que está estabelecido em relação ao estatuto e ao regime da Polícia Marítima.

Claro que não vamos pedir à Constituição que fale na Polícia Marítima. A Constituição não fala na Polícia Marítima, nem tinha que falar. Como não fala da GNR, não fala da PSP, ou não fala da Polícia Judiciária, ou até nem sequer fala de nomes ou de serviços de informações. Não tinha que falar, não é essa a sua função.

Mas com certeza que nós na Constituição encontramos um quadro de princípios, de regras, de distribuição de poderes que é essencial também nesta área da Polícia Marítima, porque ela faz parte do quadro geral, a que nós chamamos a constituição da segurança. Ou da segurança nacional como um conceito integrador, que vai muito para além de um conceito de defesa militar da república, vai muito para além de um conceito de segurança interna, ou um conceito de segurança de proteção civil, ou um conceito de segurança do Estado.

E, portanto, nós temos de perguntar à Constituição qual é o fundamento para algumas opções que a própria Polícia Marítima pode ter com a sua colocação num contexto mais vasto do Sistema de Autoridade Marítima.

Embora essa busca na constituição seja em grande parte deficitária e até confrangedora, porque se nós olharmos bem para a questão da segurança que temos, não há coisa mais assimétrica.

Porque nós temos muitas normas, que podem até, hoje, ser excessivas, sobre a Defesa Nacional – e em particular a pré-convenção de Defesa Nacional que é a defesa militar da República, porque na verdade isso não está dito assim, mas é o que se percebe, - e depois sobre Proteção Civil, não temos uma única palavra sobre a autonomia de um Sistema de Proteção Civil, só temos uma palavra a dizer que as Forças Armadas podem ser incumbidas de missões de proteção civil, mas sobre proteção civil, que é hoje uma área muito importante, como sabem, não há uma única palavra, digamos, direta e frontal; e depois há umas palavras poucas, mas minimamente razoáveis sobre o que é que é a função policial. Não, claro, na parte o que diz respeito à Defesa Nacional, mas na parte da administração pública, que é o art.º 272º, que fala sobre a polícia, não no sentido subjetivo das instituições policiais, mas daquilo que é a atividade da polícia, quais os seus requisitos e quais as medidas de polícia que podem ser aplicadas.

E essa resposta, à partida, já está deficitária, porque há uma grande assimetria e temos muitas normas sobre as Forças Armada, temos pouquíssimas normas sobre a polícia, e temos quase nenhumas sobre os outros aspetos da segurança nacional, temos agora um problema enorme para resolver sobre o Sistema de Informações da República, e pouco mais há em relação a isso.    

Mas quais são as questões que eu queria aqui referir: 5 pontos que não são necessariamente questões constitucionais, mas são questões em que a constituição também tem a sua palavra a dizer.

A primeira questão tem a ver com algo que me impressionou no Decreto-Lei 43/2002, que é o decreto-lei que estabelece precisamente o Sistema de Autoridade Marítima, e realmente aquilo que impressiona é, de facto, a heterogeneidade das missões e das atribuições desse sistema.

Se vocês verificarem, o art.º 6º do decreto-lei 43/2002, verificamos um pouco de tudo: nós verificamos questões que têm que ver com a segurança; questões de natureza militar; questões de preservação do património, questões de preservação de recursos biológicos, evidentemente, marinhos; verificamos questões de direito comercial, questões de registo de navios, questões de segurança de navios, questões de contratos comerciais, questões de criminalidade, questões de proteção da saúde pública, questões de proteção civil de salvamento da vida no mar. Portanto, nós aqui encontramos um pouco de tudo.

Ora, isto, do ponto de vista de uma leitura constitucional, verificamos que no fundo isto tem a ver com todas as áreas da segurança, e claro que extravasa em muito a área da segurança, porque há coisas que não têm a ver com a segurança - a segurança económica, ou a segurança alimentar, ou a segurança de saúde, ou a segurança comercial, não sei se isso tem a ver com a área da segurança nacional - mas dentro da própria área da segurança nacional, a vastidão é total, nós encontramos um pouco de tudo. Desde questões ligadas à investigação criminal, combate a crimes, questões ligadas a matérias puramente militares, ou de proteção civil, ou outras áreas.

Realmente, impressiona que num sistema – que pretende ser um sistema – nós precisamos de encontrar esta heterogeneidade de atribuições e de missões, mas de qualquer forma aí está e compreendo que esta diversidade se justifique com base num ponto unificador.

Qual é o ponto unificador? É o espaço marítimo. Coisas que acontecem no mar.

Mas o mar não é um espaço onde não acontece nada. E, de facto, por ser mar, pode determinar a adaptação de certas estruturas que, se fossem em terra teriam outro enquadramento, mas no mar têm uma justificação própria, têm um mote próprio de serem legalizadas.

A segunda questão que é a heterogeneidade das missões ou dos objetivos ou dos propósitos do sistema no qual já está a Polícia Marítima.

Mas a pluralidade de instituições, porque se verificarem aqui no art.º 7º do Decreto-Lei 43/2002, nós verificamos que, quase todas as entidades têm competência no sistema, ou têm atribuições no Sistema de Autoridade Marítima.

Eu devo aqui dizer que isto não é bem uma pluralidade. Isto é uma caldeirada de peixe, porque nós encontramos de tudo: Polícia Judiciária, PSP, GNR, Inspeção-geral das Pescas, Instituto da Água, Direção-geral de Saúde, Polícia Marítima, Autoridade Marítima Nacional. Portanto, toda a gente intervém. Toda a gente tem alguma coisa a ver com o SAM. E tenho as maiores reservas de como é que isto na prática possa funcionar bem, porque o que estou aqui a ver é, evidentemente, um conflito positivo de competências entre as diferentes entidades.

Aliás, já se pode ver até a maneira, por exemplo, de em matérias do sistema policial, a GNR, que eu saiba, tem uma unidade de controlo costeiro, tem intervenção também no domínio no mar. A PJ também tem. A Polícia Marítima também tem. Portanto, o que isto dá, ou, o que isto vai dando – os senhores profissionais sabem isso melhor que eu – é, certamente, um conflito permanente de competências, que têm de ser em cada momento bem delineadas para evitar que se corra o risco das coisas não correrem bem.

Sabemos que, muitas vezes, na cooperação, na prática surge um conflito. Aquilo que é uma cooperação entre instituições, sobretudo na defesa policial, muitas vezes, resulta numa prática de natureza conflitual em que, cada uma, quer afirmar a sua originalidade, ou a sua primazia, ou a descoberta de algum crime, e isso por vezes levanta algumas questões.

Uma outra ideia, a ideia de que esta pluralidade de entidades policiais que intervêm no sistema no espaço marítimo, na prática pode ter uma eficácia reduzida por determinar conflitos acentuados entre as diversas entidades que estão aí incluídas.

Uma terceira ideia de que eu também vos queria aqui referir, diz respeito, e agora vou um pouco ao encontro da primeira questão que o Sr. Vice Almirante colocou, é a questão da hibridez, ou da natureza da Polícia Marítima no contexto do SAM. E aqui, é evidente que temos um pressuposto muito importante, que está na constituição, que é o pressuposto de que a função militar não é igual à função policial.

A nossa constituição separa as duas: a função militar está nuns artigos, a função policial está noutros artigos.

A função militar tem que ver com um conjunto de estruturas que podem ser de natureza militar, e portanto, com equipamentos e poderes de natureza militar para defender o pais de ameaças externas. O tal inimigo externo.

Mas a função policial não é isso. A função policial está noutro artigo, o artigo 272º, que tem que ver com um conjunto de medidas que não são medidas militares, mas são medidas policiais. Precisamente as medidas policiais ou medidas de policia, ou até medidas de processo de policia que visam proteger o cidadão contra outros cidadãos. Não contra os inimigos, porque os polícias, na atividade policial não lidam com os inimigos. Lidam com cidadãos. Claro que temos alguns cidadãos que se querem transformar em inimigos, garante um senhor Alemão, professor de direito penal que na altura inventou o direito penal do inimigo, precisamente para combater a pesada criminalidade. Mas, na verdade, a atividade policial tem uma natureza diferente que é uma natureza de segurança interna da natureza militar. E, portanto, nós ao olharmos para a Polícia Marítima e para a sua estruturação em vários aspetos, percebemos que há uma hibridez, que à uma mistura entre a natureza militar e a natureza policial, embora que a sua função seja uma função claramente policial em dois aspetos: por um lado a Polícia Marítima é uma polícia dita especializada nas infrações e na ordem pública, digamos, no mar. Mas é uma polícia administrativa especial, podemos dizer assim, não é uma polícia de ordem pública de geral. E, por outro lado, é uma polícia de investigação criminal. Portanto, tem a ver, não como uma polícia administrativa, mas como uma polícia que está associada à prática de crimes e portanto pode ser uma autoridade de natureza de investigação criminal. Isto fazendo um paralelo dos dois tipos de conceito daquela polícia, como polícia administrativa ou como polícia de investigação judiciária, nesse sentido amplo, não no sentido nominal da própria palavra.

Mas ao olhar, pelo menos, eu, ao olhar para a realidade legislativa verifico várias coisas, verifico várias inerências, portanto, entidades militares que também exercem funções policiais… Eu não estou a dizer que haja propriamente uma confusão, mas, a verdade é que, dentro do mesmo sistema, dentro da mesma instituição, há estatutos diferentes de pessoas que tomam decisões que se refletem sobre pessoas que têm estatutos diferentes. E, portanto, ter militares a tomar decisões em matérias como militares, e não como polícias; militares a tomar decisões em matérias que são da função policial…

Pode vir um militar a exercer funções policiais? Claro que pode! Então a GNR não faz isso? Qual é o problema? Isso não é inconstitucional. A GNR não é inconstitucional. O que é inconstitucional é serem militares submetidos à hierarquia militar e ao regime militar, a exercer funções que tocam com tarefas de natureza policial. Isso é que é inconstitucional. É misturar a função militar com a função policial. Não é o facto de a pessoa, por ser militar, não poder exercer uma função policial. Pode exercer, mas não está lá nessa condição. Não está inserida numa estrutura; numa doutrina; num regime que é de natureza militar, e não é de natureza policial. Porque as doutrinas são diferentes; os objetivos são diferentes; os poderes também são diferentes. E há várias questões que se têm colocado.

O senhor Almirante falou na questão da tutela. É verdade que hoje há uma tendência para nós facilitarmos as tutelas das polícias no ministério da administração interna, porque significa o ministério da segurança interna – embora isso infelizmente não seja sempre verdade, porque há autoridades policiais que estão noutros ministérios, como o caso da ASAE, por exemplo, no ministério da economia, ou a PJ no ministério da justiça, embora aí seja compreensível porque a PJ também é uma polícia administrativa especial, mas é sobretudo de investigação criminal, e portanto está associada aos processos dos criminais que, em principio está melhor no ministério da justiça do que no ministério da administração interna. Embora hajam pessoas que defendem a concentração de todas as tutelas, de todas as polícias na administração interna. Tenho as minhas dúvidas sobre isso, não tenho uma opinião formada. Mas tenho dúvidas sobre essa total concentração.

E, portanto, acho que a questão aqui de fundo é haver essa separação entre as várias estruturas, entre a dimensão militar e a dimensão policial.

E o problema é que, é verdade que a dimensão militar tem competências que estão mais ou menos definidas. Mas o problema é que está dentro de um sistema que é um sistema que está dominado pelas autoridades militares. E se formos ler o próprio decreto-lei, tem capitães de porto, etc, tem lá muitas competências que eu acho que não são só competências militares. Muitas delas são competências policiais, mas não têm esse nome. E, portanto, como exercem essas funções como militares, interiorizam nessas mesmas competências, que nessa parte que poderia estar definida para uma autoridade de natureza policial.

Conclusão: acho que devemos olhar para o sistema com preocupação e separar o que é da função militar, daquilo que é da função policial. Claro que podem dizer, então mas nós hoje, em crise, não podemos fazer uma economia de esforços e não podemos ocupar os militares com outras coisas para sermos todos mais uteis ao país?                

Com certeza. Até podemos fundir todas as forças polícias numa só, se é assim fica mais barato. Mas isso é um raciocínio simplificador, é um raciocínio de café, porque há princípios, há objetivos, há tradições e há direitos das pessoas. E, portanto só nos estados autoritários é que as Forças Armadas fazem policiamento. E de questões de segurança interna, a única coisa que as Forças Armadas podem fazer na segurança interna é, quando há situações de estado de exceção, está previsto na Constituição, pontualmente, certos aspetos. Quando a própria Constituição o refere, como disse à pouco a proteção civil, ou outro tipo de coisas… Agora fala-se muito, é notícia do dia de ontem, os militares fazerem segurança nas escolas. Tenho as maiores dúvidas que isso seja possível. Isso não é uma função militar. Fazer segurança policial nas escolas por militares, não me parece que eles tenham formação. Eles lidam com os inimigos. Vamos ver a relação do cidadão com o militar. Não é com um cidadão adulto, mas é, ainda por cima, com as crianças. Vão ser as crianças, inimigos que os militares vão ter. Vão fazer o policiamento nas escolas. Eu acho essa ideia estapafúrdia.

Quarta questão, que é a questão mais complexa, que é a condição dos agentes da Policia Marítima, como agentes militarizados. É uma expressão curiosa, aliás, a constituição fala disto no art.º 270, que é um artigo muito importante que estabelece a restrição aos direitos dos militares, militarizados e os membros das forças de segurança. São categorias de funcionários que podem ser objetos de especiais restrições aos seus direitos fundamentais, mas há a tal regra, que se a lei o fizer, tem de ser aprovada por dois terços, e este artigo foi objeto de uma grande polémica em 2001, altura em que se decidiu o problema do sindicalismo da polícia. Lembram-se disso tudo, a PSP tornou-se uma polícia civil, admite sindicatos nas forças e serviços de segurança, mas sindicatos sem a possibilidade de declararem greve. Mas não há sindicatos, apenas associações socioprofissionais nas forças militares e militarizadas. E, portanto, aqui a questão que se coloca é, que os agentes da Polícia Marítima, que são, neste caso agentes militarizados, são civis de raiz, julgo eu, têm um estatuto de agente militarizado. Mas isto para eles é muito penalizador porque não são agentes civis nas forças de segurança, são agentes militarizados. Porquê? Porque no art.º 270.º da Constituição não podem ter sindicatos. Podem ter apenas associações socioprofissionais, mas não podem ter sindicatos. Claro que os outros têm sindicatos mas não têm direito à greve. Ter sindicatos para ter direito à greve, não sei se isso será uma coisa muito útil, mas pelo menos, já é alguma coisa.

Mas a condição de militarizado implica naturalmente alguma restrição, na parte de não ter associação sindical, é realmente igual a ser militar.

Ora, aqui a questão que se coloca é saber-se exatamente em que consiste esse estatuto de militarizado, porque se nós formos ver, eu já tive a ver, já tive esse trabalho, o regulamento disciplinar da Polícia Marítima é, em grande medida, semelhante ao da PSP. Portanto, uma força e serviço de segurança civil, e não militar.

Já dizia o Sr. Almirante, são militarizados porquê? Porque a chefia é militar, ou porque estão integrados numa estrutura que é semi-militar, ou quase militar? É realmente uma questão que não é definida. Na prática, a construção tem esse conceito, mas esse conceito tem que ser sobretudo trabalhado com base naquilo que é a realidade do estatuto da Polícia Marítima. E chegamos a uma conclusão: que o agente militarizado não pode ser nem militar, nem civil. Tem de ser um caso sui generis. Mas, na prática, por aquilo que eu percebo, tem uma matriz civil. Para aquilo que não interessa é civil, e para aquilo que interessa é militar. Ou ao contrário. Não sei…

Então é preciso que neste ponto haja uma clarificação legislativa sobre aquilo que é verdadeiramente a condição de agente militarizado.

Quinta e última questão catalisa mais preocupação que todas, e talvez pouco referida, é que se a Polícia Marítima é uma força policial, uma força e serviço de segurança, portanto no âmbito da segurança interna.

Aliás a lei de segurança interna faz referência ao Sistema de Autoridade Marítima, portanto, a Polícia Marítima está no âmbito desse sistema como força de segurança. Há exigências constitucionais muito importantes e uma delas é que, no regime das forças de segurança – a Polícia Marítima é uma força de segurança interna – o regime que só pode ser assumido pela Assembleia da República no âmbito do princípio da reserva de lei.

Portanto, não pode haver cá despachos, nem circulares militares, ou de qualquer outra natureza, que definam as competências, atribuições, as missões, os objetivos, os propósitos de uma força de segurança, porque isso só pode estar definido com base princípio da reserva de lei. Artigo muito importante da constituição, art.º 164º, alínea u), isso só pode ser definido com reserva total de lei pela Assembleia da República.

E portanto, tem de ser a lei a explicar preto no branco o que é que faz a Polícia Marítima, quais as suas atribuições, competências, poderes, limites, etc, e isso nunca pode ser remetido para os confins do Ministério da Defesa Nacional pelas estruturas que por lá existam, porque isso tem de aparecer à luz do dia com uma legitimidade parlamentar dada pelo órgão de soberania chamado Assembleia da República.

Até porque, o próprio art.º 272.º da Constituição, que diz respeito à polícia, diz que as medidas de polícia têm que estar previstas na lei. Ora bem, não é em despachos administrativos, é na lei. E porquê? Porque são medidas de restrição de medida habitual. Não são umas medidas quaisquer. São medidas muito importantes de restrição da liberdade individual, e portanto, exige-se que, para que essas medidas sejam válidas do ponto de vista Constitucional, uma credencial constitucional, neste caso, por um princípio, que havendo, o decrete como sendo de reserva total de lei parlamentar.

Vou terminar senhor moderador.

Portanto, como vêm, há aqui uma série de dúvidas que eu deixo, e agradeço esta oportunidade para ter estudado alguma coisa, que é bom, é vou continuar a estudar.

Interessei-me por este tema também, claro que há outras questões que nós devemos aqui colocar, uma delas é a questão da guarda costeira, já se tem falado muito sobre isso, eu sinceramente tenho as minhas dúvidas sobre esse assunto, porque nós vemos uma guarda costeira pensamos sobretudo nos Estados Unidos, mas os Estados Unidos são um país com 300 ou 400 milhões de habitantes e tem duas costas gigantescas, uma no pacífico e outra no atlântico. Nós termos condições para ter uma guarda costeira que pudesse conglomerar uma serie de competências. Tenho as maiores duvidas sobre isso, e os tempos também são tempos de crise, são tempos de racionalização de meios, são tempos de limitações de meios. Porventura o caminho será um caminho reformista, não tão macroscópico, mas mais microscópio que é evitar duplicações, acertar algumas competências, mas partir um pouco o sistema que está, reduzindo porventura o número de entidades que intervêm no espaço marítimo.

Penso que quem olha para estas leis fica assustado, porque isto já é uma enorme confusão. Um conjunto de conflitos no dia-a-dia. Talvez a reforma possa começar por fazer uma micro-reforma, para depois se tornar uma reforma mais eficaz. Mas deixo esta minha observação, muito obrigado pelo vosso convite e parabéns pela iniciativa.

https://www.youtube.com/watch?v=9nx9-YmiNio

VALM Cunha Lopes

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"Uma Polícia Criminal Especializada no SAM"

1. Enquadramento (slides 1,2,3,4 e 5)

Os nossos espaços de soberania e jurisdição marítima são de extrema importância no contexto nacional e europeu, quer pelos recursos vivos e inertes existentes, quer por ser uma zona extraordinária para actividades de lazer, como os desportos náuticos, o turismo balnear e de cruzeiros, quer por ser uma zona de forte actividade comercial, como o transporte marítimo, por onde passa mais de 60% do comércio europeu, que gera milhares de empregos, e por isso, as nossas águas são vitais para o bem-estar e para a economia nacional e europeia.

Ora, à medida que crescem os interesses económicos ligados à exploração dos espaços marítimos também cresce a exigência de uma política de maior segurança nesses espaços, que promova medidas preventivas e reactivas, que assegurem a regularidade dessas actividades económicas e de lazer e contribuam para a mitigação de eventuais danos ambientais.  

Além disso, o mar é uma plataforma vulnerável a usos e actividades ilícitas e criminosas, de que são exemplo “a pirataria, a imigração ilegal, o tráfico de seres humanos e de armas, a proliferação de armas de destruição massiva, o terrorismo transnacional, o narcotráfico” bem como, o contrabando e a exploração ilícita dos recursos vivos e não vivos.

Estamos perante situações em que é necessário prevenir e reprimir actividades ilícitas quer sejam de mera ordenação social, como, de forma geral, as predatórias de recursos vivos e inertes e de património subaquático, quer sejam de natureza criminosa, como os tráficos de droga e de pessoas por via marítima, as quais constituem verdadeiras ameaças ao tecido económico-social das populações ribeirinhas, pondo em causa a segurança dos cidadãos, a integridade das suas vidas e bens, e de um modo geral, a sua qualidade de vida e bem-estar social, com potenciais reflexos na estabilidade do próprio Estado. Esta actividade de natureza criminal é uma clara ameaça para a fronteira marítima, para a economia, para o ambiente e para a segurança nacional.

2. Segurança interna.(slide 6,7,8)

Isto significa que estamos, em larga escala, no plano de prevenção de danos sociais, que se enquadra no âmbito da função de segurança interna, atribuída constitucionalmente às forças de segurança e que, logicamente, se aplica aos espaços de jurisdição marítima, no respeito pelas normas do Direito Internacional do Mar, e em particular, da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, tendo em conta que os poderes dos Estados Costeiros sobre esses espaços de jurisdição marítima, por força da liberdade dos mares, e do direito de passagem inofensiva, no caso do mar territorial, não são, ipsis verbis, assimiláveis aos poderes que os Estados exercem sobre os seus territórios terrestres.

O conceito jurídico de zona contígua, previsto no art.33º da CNUDM, vem reforçar esta questão da segurança interna nos espaços de jurisdição marítima, ao atribuir poderes ao estado costeiro para aí prevenir e reprimir infracções às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração e sanitárias, todos actos policiais do foro da segurança interna.

Do que se acaba de referir, importa relevar que os Estados costeiros para usar estes espaços de jurisdição marítima no seu interesse, e cumprir com os seus compromissos internacionais, têm que, imperativamente, dispor de uma força com autoridade para impor a lei (maritime law enforcement) ou seja, uma força com poderes de polícia, e jurisdição em todos os espaços, para que a autoridade do estado se exerça de forma efectiva e com legitimidade.

3. Modelo comparativo – USCG (slide 9,10,11,12)

O modelo adoptado varia de país para país, mas a premissa acima referida, é válida para todos os modelos. Observemos a título de exemplo a “US Coast Guard”, apenas para uma melhor percepção do que estamos a falar, tendo em conta o que representa a título de referência mundial, nesta matéria.

A USCG dispõe, em lei, da autoridade para executar missões de “maritime law enforcement”, a tipificação dos poderes de polícia para execução dessas missões, a autorização para uso da força, e atribuição de autoridade de polícia aos seus agentes.

Aliás, observemos ainda a forma transparente e estruturada como é apresentado o espectro das actividades marítimas e a respectiva responsabilidade pelos vários actores que operam no mar. Neste campo importa, ainda, olhar para a posição da Comissão Europeia, no que respeita à cooperação civil-militar.

Infelizmente, no acervo legislativo em que nos suportamos, detectamos situações ambíguas e pouco claras, indesejáveis numa matéria sensível, como é o caso do exercício da autoridade do estado, que se enquadra no plano dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

4. A ambiguidade legislativa nacional (slide 13,14)

Vejamos um pequeno exemplo significativo. A Lei nº 34/2006, de 28 de Julho, que determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, estabelece no art. 14º que as entidades competentes para o exercício desses poderes, são as que têm poderes de autoridade marítima e acrescenta em separado a Marinha e a Força Aérea, no âmbito das respectivas competências, sem as definir. Isto pressupõe que estas competências das FA’s estejam previstas em lei, em particular, nas respectivas leis orgânicas. No caso da Marinha, o art.º 2º da LOMAR, (DL185/2014, de 29 de Dezembro) atribui essa missão à Marinha mas remete-a para as respectivas competências, num enredo jurídico, que ao não aparecerem claramente tipificadas em lei, no mínimo, as torna em normas que revelam grande insegurança jurídica ou mesmo eficácia nula.

5. A Polícia Marítima - OPC (slide15,16,17,18,19,20,21,22)

A Polícia Marítima, por seu lado, apresenta-se estatutariamente como uma força policial de competência especializada, nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e aos órgãos da AMN, com poderes de órgão de polícia criminal, de competência específica, cuja acção, neste âmbito, incide particularmente, na investigação em matérias de segurança e controlo da navegação, sinistros marítimos, poluição do mar, bem como, danos contra a natureza, contra a saúde pública, contrabando, furto/roubo, ofensas à integridade física, falsificação de documentos, entre outros, numa teia de actos e procedimentos processuais de cariz cautelar e instrutório, onde a obtenção e preservação dos meios de prova prevista na lei processual penal assumem papel de relevância acrescida. Há, assim, uma relação de dependência funcional com o Ministério Público que dirige a investigação.

Além disso, a Polícia Marítima desenvolve actividades no âmbito da prevenção e repressão de crimes como o narcotráfico, ou o terrorismo, sequestro e tomada de reféns a bordo de navios ou embarcações, no âmbito das medidas previstas no ISPS CODE, incluídas no DL 226/2006.

Não obstante diversos constrangimentos e adversidades, a polícia marítima nos últimos anos, sofreu uma profunda reorganização interna, preparando-se no máximo de extensão possível para fazer face à diversidade e complexa gama de riscos e ameaças em ambiente marítimo, o que obrigou a uma estratégia de planeamento que passou pela densificação da formação e o treino, a qualificação e o conhecimento, a organização estrutural e a aquisição de material adequado, dotando a polícia marítima de capacidades, competências técnicas e perícias policiais para actuação em ambiente marítimo.

A criação dos “Grupos de Mergulho Forense” (GMF), veio dotar a PM de capacidade para conduzir acções de investigação do foro criminal em ambiente subaquático, do “Grupo de Acções Táctico-policiais” vulgo “GAT”, com formação e treino “SWAT”, preparado para acções tácticas de resolução e gestão de incidentes de alto risco em ambiente marítimo, e os “Grupos de Intervenção Rápida”, vulgo “GIR”, especializados e treinados em manutenção de ordem pública marítima, visou recolocar a PM na actual dinâmica da segurança interna, edificando elevadas capacidades policiais focadas no ambiente marítimo, para uma resposta robusta às novas ameaças que impendem sobre esses espaços.

A PM, enquanto órgão de polícia criminal (OPC), e no âmbito das matérias que juridicamente lhe cabe tratar, exerce uma actividade cada vez mais complexa e multidisciplinar, tendo consolidado valências no âmbito da investigação criminal em ambiente marítimo, por um lado, através do domínio de conhecimentos científicos e empíricos muito específicos, e por outro, tirando partido, do conhecimento quase secular das populações ribeirinhas, seus costumes e actividades, para além da enorme experiência dos eventos e actividades marítimas, quer profissionais quer lúdicas, com impacto na segurança marítima (safety e security), o que permite à polícia marítima decifrar com alguma facilidade e de forma proactiva indícios sobre eventuais ilícitos. Estes eventos incluem o tráfego de navios, actividades da pesca, incidentes de poluição, acidentes/incidentes no mar, e as actividades ilegais.

Estruturalmente foi concebido um Grupo de Recolha e Análise de Informações Policiais (GRAIP) a funcionar no Comando-geral, e com ramificações nos outros comandos, com pessoal que obteve formação no SIS e na PJ, e que se destinava a coleccionar, fundir e analisar informação e dados operacionais, para apoiar os comandos locais quer nas operações marítimas quer na investigação criminal de casos mais complexos.

A nível local, o modelo de organização de referência para a investigação criminal, assenta num Serviço de Investigação Criminal e Instrução Processual, que agrupa quatro secções: Secção de Informações; Secção de Investigação Criminal; Secção de Instrução Processual; Secção de Recolha de Vestígios e Inspecção Judiciária.

Os crimes participados são avaliados pelo serviço de investigação criminal que fará deslocar ao local, sempre que se justificar, uma equipa multidisciplinar de investigadores e técnicos de recolha de vestígios e inspecção judiciária, que poderá ainda contar com o GMF, pessoal especializado na investigação e recolha de elementos probatórios em ambiente subaquático.

Um dos exemplos mais visíveis são os casos de acidentes e sinistros marítimos com vítimas mortais ou feridos, onde as equipas de investigação da PM dão início de imediato a exames, apreensões, inquirições, ao mesmo tempo que se efectuam as buscas e se procura recuperar as vítimas.

A tipologia de crimes passíveis de serem delegados pelo ministério público à PM assenta no disposto no art.º 4º da LOIC (Lei de Organização da Investigação Criminal), que sobre a competência específica determina no nº1 que “a atribuição de competência específica obedece aos princípios da especialização e da racionalização na afectação dos recursos disponíveis para a investigação” completado pelo nº2 que estabelece que “os órgãos de polícia criminal de competência genérica abstêm-se de iniciar ou prosseguir investigações por crimes que, em concreto, estejam a ser investigados por órgãos de polícia criminal de competência específica”,como é o caso da PM, sem prejuízo dos poderes do MP enquanto verdadeiro “dominus” da acção penal. Com base nesses princípios da especialização e da racionalização, o legislador pretendeu, naturalmente, maximizar os conhecimentos técnico profissionais das polícias de especialidade, na afectação de recursos em investigação criminal, garantindo uma maior eficiência e celeridade dos processos.

Assim, com base nos critérios da especialização e racionalização e no facto da PM ser um OPC de competência especializada nas áreas e matérias do SAM e dos órgãos da AMN (D235/2012), conjugando com as atribuições do SAM estabelecidas no DL 43/2002, (art.º 6º) é possível tipificar os seguintes crimes, cuja investigação se enquadra na competência específica da PM:

# No âmbito dos incidentes de poluição do mar compete ainda à PM (art.º 54º do DL nº 244/95, de 14 de Setembro) a instrução dos ilícitos contra-ordenacionais especiais atento o princípio da precaução em direito ambiental, de acordo com o previsto no DL nº 235/2000, de 26 de Setembro.

# Também no âmbito dos acidentes\incidentes marítimos no mar e na faixa costeira investigados pela PM, muitas vezes resultaram na imputação de responsabilidade criminal como o homicídio por negligência – CP – art.º 137º

Finalmente gostava de referir que a participação do Comandante-geral no Conselho Coordenador dos órgãos de polícia criminal, enquanto dirigente máximo de um OPC de competência específica, e a participação da PM nas Unidades de Coordenação e Intervenção Conjunta (UCIC) quer ao nível central quer regional, vocacionadas para o combate ao narcotráfico, e a integração na “Unidade de Coordenação Anti-Terrorismo” (UCAT), demonstra que a PM está integrada no formato operacional da segurança interna, no combate ao narcotráfico e ao terrorismo em ambiente marítimo, quer em termos de centralização de informação, quer em termos de coordenação e intervenção conjunta. Isto potencia a cooperação inter-agências, em particular com a PJ, enquanto autoridade de polícia judiciária com competência reservada para a investigação destes tipos de crimes, mas também com os outros OPC. A participação activa, a par com os outros OPC, na Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal (PIIC), foi mais um passo decisivo da consolidação da PM na segurança interna.

Importa ainda referir o esforço de internacionalização da PM com a participação nas operações do FRONTEX, no combate à imigração ilegal, junto à fronteira da Grécia com a Turquia, onde o conhecimento e profissionalismo demonstrado, publicamente reconhecido pela agencia, afirma a vocação desta polícia marítima para os assuntos da segurança interna em ambiente marítimo.

6. Conclusões (Slide 23)

Existem, porém, reflexões que devem ser fortemente ponderadas a nível político, para que se construa um modelo sólido, transparente, flexível e racional para o exercício da autoridade do estado no mar.

A actividade de segurança interna é, entre as funções do Estado, talvez aquela que requer maiores exigências na definição e afirmação dos princípios e das normas constitucionais e legais, principalmente daquelas que se referem aos direitos, liberdades e garantias.

O mapa de pessoal da PM remonta a 1995, é extremamente exíguo (513 elementos), e apesar do incremento exponencial das actividades ligadas ao mar nunca foi alterado. Outro aspecto lapidar prende-se com o processo legislativo específico da PM que tem sido demasiado lento, complexo e ambíguo, o que obstaculiza a sua afirmação por não estar actualizado com o novo ambiente de segurança marítima, como é o caso do “Estatuto da PM” que remonta a 1995, sem sofrer até hoje alterações significativas. Aliás, com a publicação da “Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas” (lei 35/2014), novas questões estatutárias se colocam de enquadramento com essa lei. No entanto, a experiência e a prática demonstrada revelam uma quase total indiferença por parte do poder legislativo, no que respeita à PM, para a resolução destas questões pendentes. Vejamos, por exemplo, que apesar do Estatuto prever (art.42º, DL248/95) um diploma legal sobre o sistema retributivo do pessoal da PM, tal iniciativa nunca mereceu acolhimento pela tutela.

A inexistência de uma lei orgânica da PM, induz um vazio jurídico estrutural, na medida em que a própria LSI estatui que a segurança interna se exerce, não só, nos termos da Constituição e da lei, nomeadamente lei penal e processual penal e as leis criminais, mas também, das leis orgânicas das FSS. Ora, a principal autoridade policial de especialidade e órgão de polícia criminal de competência específica, que, em razão da matéria e do território, pode representar o ambiente existente a nível marítimo, quer no que concerne à segurança e controlo da navegação, quer no âmbito das pescas e da poluição do mar, quer dos acidentes marítimos e outras ocorrências, de natureza criminal ou contra-ordenacional que possam ocorrer nos espaços marítimos, incluindo os portos e as zonas balneares, não tem um quadro jurídico orgânico aprovado, o que fragiliza a sua afirmação como força policial no exercício da função segurança interna, quando é a única força policial com jurisdição em todos os espaços marítimos de jurisdição nacional, e por isso requer, com urgência, uma reflexão política profunda, para bem do interesse público.

Finalmente, importa referir que, apesar do Comandante-geral ser, por força de lei, o “dirigente máximo da PM”, o facto de, na prática, lhe estar vedado o acesso directo ao ministro da tutela para tratar dos assuntos da polícia, agregado ao desconhecimento e/ou não reconhecimento da especificidade da função policial por parte dos dirigentes políticos e não só, estar na origem de muita da inoperância no que concerne à edificação de um quadro jurídico de enquadramento da PM, “sólido, claro, objectivo e transparente”, com visíveis prejuízos para o interesse público.

Juiz de Direito J. Caldeira Jorge

A Polícia Marítima como órgão auxiliar da justiça"

Em edição

Debate do 1ª Painel}

Em edição

2º Painel: "A Polícia Marítima - Que Futuro?"

Oradores:

Deputado da AR António Filipe (por razões de agenda parlamentar e em consequência dos atrasos das intervenções anteriores, teve de se ausentar sem intervir)

Professor Doutor Paulo Pereira de Almeida (não compareceu)

Dr. José Conde Rodrigues

CMG (res) Jorge Silva Paulo

Moderador: Subintendente Hélder Andrade

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Alocução do Dr. Conde Rodrigues

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Em edição

Alocução do CMG Jorge silva Paulo

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Em edição

Debate do 2º Painel

Em edição

Conclusões

A – ACONTECE NA ACTUALIDADE:

1 - Esta realização culmina o ciclo de 3 conferências levadas a cabo pela ASPPM, subordinado ao tema: Sistema de Autoridade Marítima e sequencialmente, aos subtemas: *Perspetivas de Segurança e dos Direitos dos Cidadãos - e - * a dicotomia: Segurança/Investigação Criminal.

2 - A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece com clareza a distinção da categoria de Administração Pública (Título IX) - na qual se insere a Polícia – com a função de garantir a Segurança Interna, da de Defesa Nacional (Título X), a ser assegurada pelas Forças Armadas.

3 - Tanto a Policia como as Forças Armadas, como instituições legitimadas ao uso da força e porte de arma pertencem à administração direta do Estado, sem qualquer quebra das respetivas especificidades constitucionalmente firmadas em matéria dos correspondentes enquadramentos de atuação.

4 - O motivo próximo desta iniciativa da ASPPM, enquanto representante da classe dos profissionais da Polícia Marítima (PM), radica-se na circunstância da Marinha - ramo das Forças Armadas -, assumir a PM como nela integrante e por consequência exercer as funções de uma força de segurança.

5 - Desta usurpação identitária e da função policial tem-se registado um sem número de ocorrências onde a forma como foram abordados deram origem a indagações sobre a legitimidade da autoridade interveniente.

6 – Dada a fisionomia com que a PM é visionada, vão sendo recusados aos seus profissionais o exercício dos seus direitos e liberdades em matéria associativa, a que acrescem constrangimentos funcionais, como sucede no caso de promoções, de subsídios e outros benefícios que de longe cobririam a atual base emolumentar de discutível legalidade e que presentemente auferem.

7 - A este propósito têm germinado artifícios jurídicos como o de “duplo uso da Marinha”, o de “ Segurança Nacional” e a aplicação da figura administrativa de cargos “ por inerência”, assim se ficcionando legitimar extensões funcionais. Aponta-se os casos mais flagrantes como o do Chefe do Estado - Maior da Armada (CEMA) ser “por inerência” Autoridade Marítima Nacional (AMN); os Chefes dos Departamentos Marítimos serem “por inerência” Comandantes Regionais da PM, ou os Capitães dos Portos serem “por inerência”, Comandantes locais da PM.

8 - Assiste-se a uma produção inflacionada de legislação, a qual, pela forma apressada e agitada como é realizada mais parece orientada para legitimar atuações e comportamentos não pautados por cânones de constitucionalidade.

9 - Pendem, junto da Procuradoria - Geral da República e da Provedoria de Justiça, exposições e pedidos, formulados pela ASPPM, visando a inconstitucionalidade de várias normas que atentam e afetam a natureza e o funcionamento da PM, como uma entidade policial, enquanto força de segurança de natureza civil, uma vez que se trata de matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República conforme dispõe o artigo 164º u) da CRP.

B – A PM num Estado de Direito Democrático.

1 - A expressa militarização da PM a partir do DL nº 190/75 de 12 de Abril, confirma a tradicional natureza civil da instituição desde 1919. A estipulada militarização é um valor a-jurídico, visto decorrer de um diploma que, sendo pré-constitucional, é eivado de inconstitucionalidade superveniente.

2 – A moderna tendência europeia de forças de segurança, representada pela Comissão Europeia de Sindicatos e Polícia (CESP), (autora da Carta Europeia de Polícia) e a Confederação Europeia de Polícia (EUROCOP) é no sentido de desmilitarizar os serviços de polícia.

3 – A criação da Autoridade Marítima Nacional (AMN) (onde se pretende integrada a PM), enquanto entidade de coordenação, de âmbito nacional, não pode ser configurada como um ato isolado. Tem que se compaginar com o edifício jurídico-constitucional no qual se inserem as demais Autoridades Nacionais, as quais, também sendo órgãos de coordenação, vincadas pelo cunho de especialidade, não podem dispor, de uma força policial própria, sob pena de anacronizar a latitude funcional a que se destinam.

4 – A inerência do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) como AMN, além de outras “inerências”, como as de DGPM e de CGPM, ocupada por oficial nomeado pela Marinha, são manifestações para assegurar não só a militarização da PM como manter sob seu controlo uma polícia, fugindo à normativação e padrão de funcionamento das demais Autoridades Nacionais.

5 – São por isso merecedores de reparo as perspetivas, projetos e pareceres, alguns de perniciosa jurisdicidade, que, procuram, sob disfarce, viabilizar a ideologia do militarismo num Estado de Direito Democrático.

6 – Neste contexto, o argumento do “duplo uso da Marinha”, para secundar uma razão economicista ou aparentar justificação na cata a fenómenos de criminalidade organizada internacional, evidencia um desvio vocacional e ficciona um subterfúgio para camuflar uma tendência militarista para a PM, sob a capa de democracia.

7 – Qualquer tentativa de alteração constitucional com vista á genérica legitimação ou legalização de militarização de uma força de segurança, em tempo de paz, implicaria uma aproximação aos cânones de um Estado Autocrático e afastamento de um Estado de Direito Democrático.

8 – O espaço marítimo e o domínio público hídrico envolvem quadrantes tão variados, onde a grande maioria se relaciona com uma diversidade de instituições ou organismos especializados, alheios à vertente militar, carecendo apenas da habitual garantia de ação e vigilância de uma força de segurança como a PM.

9 – O Capitão do Porto é a autoridade marítima com funções administrativas, de fiscalização, de salvamento e socorro marítimos e de coadjuvante das entidades policiais e judiciais em matéria de providências cautelares de conservação indiciária criminal.

C - SOLUÇÃO e PROPOSTAS:

1 – Num quadro de regularidade institucional geral, de paz e normalidade democrática, a segurança interna e garantida pelas Forças e Serviços de Segurança nas quais se insere a Polícia Marítima.

2 – No plano da relação Forças Armadas – Forças de Segurança, cabe àquelas colaborar (em missões de proteção civil, em tarefas relacionadas coma satisfação de necessidades básicas e a melhoria de qualidade da vida das populações) e cooperar (técnico-militarmente no âmbito da política nacional de cooperação) com estas em tudo quanto for exigido pelas instituições competentes para o efeito, a saber o Secretário-Geral de Segurança Interna.

Colaborar e cooperar não são porém etimológica ou constitucionalmente, sinónimos de dirigir, comandar ou controlar.

3 – Reportadas à segurança interna, as Forças Armadas só assumem o comando na estrita e rigorosa medida consentida pela Assembleia da República, em situações de estado de sítio, de emergência, de calamidade pública ou de guerra.

4 – O policiamento marítimo é o exercício de uma função vincada pela especificidade especialidade, quer face ao enquadramento onde opera, quer quanto ao seu destinatário, quer no tocante aos procedimentos a adotar, quer finalmente em razão dos objetivos visados.

5 – Dos políticos em geral e do Executivo em especial, vincados pela legitimidade democrática que lhes assegura assento na Assembleia da República, se espera que dotem o país, de uma Polícia Marítima em conformidade com o ditame constitucional, com um estatuto próprio, como força de segurança, portanto de natureza civil, com funções de órgão de polícia criminal.

ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO (Juiz-Conselheiro do STJ –jubilado)                                                                                              

Encerramento

alocução do CGPM, VALM Silva Ribeiro

3_conf_alm_sr.pngExmos. Senhores,
Presidente da Direcção e associados da Associação Sócio-Profissional da PM,
Juízes Conselheiros,
Ilustres Almirantes ex-comandantes-gerais da Polícia Marítima
Directores e demais responsáveis por Serviços Públicos,
Representantes de Outras Forças e Serviços de Segurança,
Representantes de Sindicatos e estruturas Associativas de Forças e Serviços de Segurança,
Minhas Senhores e Meus Senhores,
É com acrescido gosto e muita honra que, como Comandante-Geral da Polícia Marítima, aceitei falar na sessão de encerramento deste seminário, onde a amplitude das intervenções realizadas e as ideias apresentadas são bem a imagem da complexidade do tema, e da grande especificidade que um assunto como este impõe. Por isso, agradeço o amável convite que o Senhor Presidente da ASPPM me dirigiu.
Nesta minha intervenção irei abordar o que é e o que representa, em termos policiais, a PM. Para além disso, também analisarei a especial relação funcional que os Comandos Locais da PM têm com as Capitanias dos Portos. Depois, apresentarei a minha visão para o futuro da PM, sistematizada em termos dos valores e dos principais objectivos que vamos perseguir. Por fim abordarei o relacionamento entre a Marinha e a Autoridade Marítima Nacional (AMN), nos aspectos que importam à PM.
Peço, em antecipação, desculpa pelo tempo de duração da minha intervenção, porventura um pouco longa. Porém, a importância do acto, a relevância dos assuntos tratados e a consideração que V. Exas. me merecem, a isso me obriga.
Sendo uma matéria de grande especialidade material e funcional, não parece ainda existir, em termos de rigor e de precisão normativa e departamental, o conhecimento exacto do que significa a Autoridade Marítima, o seu exercício e o seu vastíssimo quadro de competências e, em termos sucedâneos, o que é que representa, do ponto de vista policial, a PM, e o seu enquadramento institucional, matérias que abordarei de seguida, ainda que de forma muito breve.
Instituída em 1919, e tendo percorrido um caminho estatutário e funcional muito agregado à evolução do próprio ordenamento jurídico marítimo nacional – estando-lhe cometidas, inclusive, diligências de investigação dos crimes definidos no Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante (CPDMM) -, a PM sempre foi um preciosíssimo instrumento funcional de exercício da Autoridade Marítima, tendo sido construída, desde os primórdios, num contexto jurisdicional local, como uma autoridade policial de execução das determinações do Capitão do Porto.
Reformulada em 1969, aquando da criação da Direcção-Geral dos Serviços de Fomento Marítimo (DGSFM), tendo sido um corpo civil a partir de 1970, e militarizado a partir de 1976, a PM ganhou importância funcional acrescida, em resultado da publicação do Regulamento Geral das Capitanias (RGC) de 1972 – o 3º da história, e parcelarmente ainda vigente -, diploma que estruturou, com critério normativo, competências de fiscalização e de polícia cometidas ao Corpo da Polícia Marítima (CPM). Mais recentemente, e por determinantes de cariz constitucional, expressamente invocadas no preâmbulo do DL nº 248/95, de 21SET, a PM foi definitivamente institucionalizada, através da publicação do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM), o qual, numa sistémica estatutária, definiu os grandes pressupostos da organização, da carreira do pessoal e dos respectivos regimes reguladores.
Este Estatuto, publicado em anexo ao referido DL, e já regulamentado através de mais de 24 diplomas legais, 4 dos quais Leis da Assembleia da República, confirmou a especialíssima relação funcional existente entre as Capitanias do Portos e os Comandos Locais da PM, clarificando o âmbito funcional de cada um destes órgãos. De tal relação funcional foi retirada a definição, por similitude e lógica hierárquica, de uma inerência legal entre os órgãos directores da Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM), onde se integram, entre outros, os Serviços Centrais, os 5 Departamentos Marítimos e as 28 Capitanias dos Portos, e os órgãos de Comando da PM, onde se incluem o seu Comando-geral, os 5 Comandos Regionais e os 28
Comandos Locais. Desta forma e no conceito do legislador, foi assegurada uma uniformidade de exercício público, sem prejudicar a identidade própria da PM, ou afectar a garantia constitucional do exercício de polícia. Ao fazê-lo com um objectivo preciso e lógico, o legislador definiu, ainda, que os órgãos de Comando da PM, e bem assim o pessoal da PM de categoria não inferior a chefe, são autoridades de polícia e de polícia criminal.
Resultante da mais recente alteração legislativa de 2012, operada pelo DL nº 235/2012, de 31OUT, que inseriu, de forma clara e expressa, a PM no contexto dos órgãos e serviços da AMN, a PM é, actualmente, uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares e agentes militarizados, sendo, como polícia de especialidade, absolutamente nuclear ao exercício da Autoridade do Estado nos espaços fluviais, dominiais, portuários, balneares e marítimos.
Demonstrada que está a articulação, aos 3 níveis de decisão e de acção, entre os órgãos directores da DGAM e os órgãos de comando da PM, aprofundemos, agora, o porquê da especial relação funcional entre as Capitanias dos Portos e os Comandos Locais da PM.
O exercício da Autoridade Marítima em Portugal tem uma forte relação geográfica, focalizada, na orla costeira, num conceito de autoridade local, de proximidade, com jurisdição territorial própria, configurada numa função multissecular, desempenhada pelo Capitão do Porto, a quem está cometido um vastíssimo quadro de competências no âmbito da segurança da navegação, da segurança de pessoas e bens, da preservação do meio marinho, da protecção ambiental e dominial, de cariz técnico-administrativo, e de conservatória patrimonial marítima. É esta agregação de competências no Capitão do Porto, que permite ao titular do cargo ter uma visão global, integrada e sustentada, única a nível nacional, de todas as actividades que se exercem em espaços dominiais, fluviais (no aplicável) e águas sob soberania e jurisdição nacional.
Para além disso, o Capitão do Porto também é a única autoridade em Portugal que, em âmbito marítimo-portuário, exerce, de forma conjugada e integrada, funções no ambito da salvaguarda marítima e da segurança marítima, com abrangência funcional sucedânea ao nível da segurança interna, da protecção civil e da protecção do meio marinho, cujos respectivos quadros legais lhe cometem competências próprias. Foi este sentido material de competências que permitiu, ao longo de décadas, erigir e sedimentar a PM e solidificar a sua existência e identidade.
Assim, ao órgão local da DGAM, o modelo português agrega, coerente, funcional e territorialmente, o Comando Local da PM, como polícia de especialidade, que exerce, com uma estrutura funcional específica, competências próprias no quadro das atribuições da Autoridade Marítima. Desta forma, as Capitanias dos Portos e os Comandos Locais da PM funcionam e actuam numa relação institucional muito próxima e em articulação lógica e sistémica no âmbito da AMN, sem prejuízo das respectivas identidades funcionais, e dos actos e procedimentos próprios que a lei comete a cada órgão, em especial os actos, procedimentos e medidas de polícia, que apenas a PM pode executar, sendo que este aspecto é fulcral para a compreensão do modelo que temos em Portugal.
Como órgão da AMN, à PM compete assegurar a regularidade das actividades marítimas, a salvaguarda dos direitos dos cidadãos, e actuar em todas as matérias do foro da protecção e preservação do meio marinho, da segurança da navegação e de âmbito marítimo-portuário. Como órgão de polícia criminal, a PM é especialmente formada e preparada para investigar crimes do foro marítimo, cabendo-lhe actuar, prevenir e combater a criminalidade, colaborando, em razão da matéria, com as autoridades judiciárias e as forças e serviços de segurança competentes, na luta contra o crime organizado e os diferentes tráficos.
É, pois, certo, manter o modelo e a estrutura actualmente existentes em Portugal, no qual as Capitanias dos Portos e os Comandos Locais da PM estão inseridos no contexto dos órgãos e serviços da AMN, porque, desta forma, se garante uma actuação concertada do poder do Estado, sendo um pressuposto claro e expresso do ordenamento jurídico nacional, que apenas se exerce o poder público se existir a autoridade que o define e sustenta. O modelo português assegura tal pressuposto, na medida em que conjuga, institucionalmente, o exercício da Autoridade Marítima, no qual as Capitanias dos Portos têm papel determinante, com o exercício de polícia marítima, relativamente ao qual a PM possui as competências e as capacidades, simultaneamente mais transversais e especializadas, a que acresce o facto de ser a única força policial portuguesa que, com vincada cultura e sólido conhecimento marítimo, dispõe de uma visão integrada das actividades realizadas nos espaços marítimos sob jurisdição e soberania nacional.
Aferidos os fundamentos da PM e as premissas da especial relação funcional dos seus Comandos Locais com as Capitanias dos Portos, vou agora partilhar com V. Exas. os elementos essenciais da minha visão sobre o futuro que importa assegurar à PM. Para isso, sistematizarei tal visão através da apresentação sumária dos valores que devemos partilhar e defender, e dos objectivos de natureza logística e organizacional que me parecem essenciais perseguir para cumprir a nossa missão.
Um órgão de polícia como a PM, cujo propósito prioritário da sua criação e existência é servir os cidadãos e a sociedade civil, tem que privilegiar e solidificar os valores cimeiros dos defensores da causa pública, e que se contextualizam na devoção, na dedicação, na abnegação, na lealdade, na responsabilidade, na observância da legalidade e no cumprimento dos deveres. A partilha e a defesa destes valores tem, como finalidade cimeira, salvaguardar o padrão constitucional dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, matriz obrigacional, que confere a credibilidade funcional e que potencia a confiança que os portugueses depositam na sua PM.
Nestas circunstâncias, nós, os titulares dos órgãos de Comando e o pessoal da PM, temos o dever público de nos empenharmos, com devoção, na causa que servimos. Também estamos obrigados a, com toda a dedicação, velar pela segurança da orla costeira, ajudar a navegação, e proteger e defender os cidadãos que acorrem aos nossos espaços ribeirinhos, às nossas praias, às nossas marinas e aos nossos portos e, até, no aplicável, com abnegação, devemos apoiar o salvamento de vidas, através da busca e do socorro. Cumpre-nos, ainda, o especial dever de, no quadro da legalidade que nos enquadra e rege, proteger o nosso espaço marítimo, os ecossistemas e recursos marinhos, preservar a regularidade das actividades marítimas, contribuir para garantir a segurança marítima e salvaguardar a segurança e os direitos dos cidadãos. E,
tudo fazemos e faremos, com lealdade e responsabilidade, cumprindo os nossos deveres perante aqueles que servimos, pois é essa a razão última da nossa existência.
Minhas Senhoras e meus Senhores, são estes os valores que nos responsabilizam e nos motivam na PM.
Passemos, agora, aos principais objectivos que nos propomos alcançar.
Desde logo, do ponto de vista logístico e em termos de meios humanos, a PM debate-se, há vários anos, com uma questão de dimensionamento, a que urge responder. Como polícia de especialidade, e considerando o muito significativo incremento das actividades a desenvolver em espaços dominiais públicos, balneares, portuários e marítimos, afigura-se necessário reconsiderar a dimensão da PM, revisitando os estudos que foram realizados no início de 2009. Como factor fundamental de avaliação da presente situação, é útil relembrar que a PM, nos últimos 20 anos, não teve qualquer alteração do quantitativo total de recursos humanos, situando-se em cerca de 550 elementos, contando com órgãos de comando. É hoje evidente que se está perante uma situação inadequada, face ao exponencial crescimento das actividades que a PM tem competência para fiscalizar, policiar e investigar.
Ainda relativamente aos meios humanos da PM, e justificado por tudo o que, em termos institucionais e funcionais foi até agora descrito, a crescente e permanente qualificação do nosso pessoal é outro objectivo a perseguir. Nestas circunstâncias, afigura-se indispensável organizar formação avançada e acreditada, que responda cabalmente às exigências de actuação competente, numa área tecnicamente tão abrangente e complexa como é a da Autoridade Marítima. Foi, neste contexto, que a EAM iniciou os estudos conducentes à realização de uma pós-graduação, em parceria com a Escola Naval, de forma a poder ser pensada e certificada nos termos vigentes no país. Contudo, como as matérias a ministrar neste curso são muito diversificadas, recorreremos a parcerias com outras instituições públicas e privadas, que nos apoiarão com professores e com especialistas de prestígio firmado, sobretudo em matérias do direito e da segurança.
Atento o que disse acima sobre a significativa especificidade do crime em ambiente marítimo, a EAM também foi incumbida de reforçar a componente formativa no âmbito da investigação criminal, encontrando as melhores soluções, em termos de parcerias com outras autoridades judiciárias e policiais, bem como instituições de ensino, que possam dar contributos válidos para que os quadros da PM obtenham formação adequada, aproveitando, assim, a sua larguíssima e absolutamente singular experiência no tratamento dos crimes relacionados com as actividades marítimas.
Em termos de meios materiais, a prioridade na PM continuará a ser a obtenção de equipamentos específicos de polícia, a renovação das viaturas operacionais e o completamento das capacidades náuticas com meios ligeiros de alta velocidade. Todavia, para se atender às características geográficas de operação da PM, considerando as competências da Autoridade Marítima e a necessidade de exercer o poder público em espaços jurisdicionais mais afastados da linha de costa, aprofundaremos substancialmente as formas de apoio que a Marinha nos deve prestar, em meios mais pesados e adequados para a acção no mar. Esta forma sinérgica e cooperativa com a Marinha é essencial para que a PM exerça as suas competências com maior incisão e eficácia.
Relativamente às infra-estruturas que utilizamos, continuaremos os investimentos na construção e remodelação das instalações de comando e de alojamento para o pessoal destacado. Este ano, as nossas prioridades serão em Lisboa, no Funchal, em Aveiro e em Viana do Castelo, sem esquecer a resolução de problemas com menor relevância, em vários comandos locais.
Outra prioridade, em termos materiais, é dotar a PM com meios tecnológicos sofisticados para o cumprimento das suas tarefas de vigilância, fiscalização e policiamento dos espaços dominiais, portuários, fluviais e marítimos sob jurisdição da Autoridade Marítima. Para isso, estamos a testar um veículo aéreo não tripulado, dotado com vários sensores, e temos em desenvolvimento um novo tipo de viatura operacional, com capacidades de comunicações, visão nocturna e radar, que equipará os Comandos Regionais. Também temos em estudo a aquisição de equipamentos que permitirão à PM detectar drogas camufladas na estrutura das embarcações.
Relativamente aos objectivos organizacionais, e considerando o ambiente institucional em que, além do exponencial desenvolvimento turístico costeiro e balnear, se projectam e definem novos caminhos para a gestão e ordenamento dos espaços marítimos e para um maior desenvolvimento dos espaços e actividades portuárias, afigura-se necessário desenvolver estudos que conduzam ao ajustamento e à actualização do regime orgânico estabelecido em 1995 para a PM.
Entretanto, no curto prazo e no âmbito das minhas competências como Comandante-Geral, estão em curso diversas iniciativas, destinadas a encontrar respostas adequadas, exequíveis e aceitáveis para um conjunto alargado de matérias organizacionais que importa aperfeiçoar ou corrigir. Estas iniciativas, cometidas a cinco grupos de trabalho, dirigidos e compostos por pessoal da PM, visam os seguintes seis objectivos gerais:
1) Transformar a dinâmica interna da PM, através da melhoria contínua do seu funcionamento, o que implica responsabilizar mais os seus efectivos.
2) Reposicionar a função de enquadramento do pessoal, para que, sem descurar a organização e o controlo, possamos incrementar a facilitação, o desbloqueamento de dificuldades, a prevenção de disfuncionamentos e a motivação.
3) Reconhecer activamente os contributos e os esforços relevantes do pessoal.
4) Continuar o processo de humanização das condições de trabalho, direccionando-o para eliminar situações de frustração, bem como para fomentar vivências e realizações pessoais.
5) Conferir maior solidez orgânica e funcional à investigação criminal e ao Grupo de Acção Táctica. Para além disso, importa fazer um ajustamento organizacional e funcional do Grupo de Mergulho Forense e dos grupos de manutenção de ordem pública, configurando-os como uma efectiva mais-valia técnico-policial e pericial, em áreas essenciais para a actividade da PM, e nas quais detêm valias e capacidades que importa utilizar consistentemente.
6) Consolidar a identidade da PM, para que esta tenha características próprias e exclusivas relativamente a outras entidades.
Porque este objectivo se relaciona com uma matéria relevante, pormenorizarei um pouco mais a natureza das acções identitárias que tenciono promover. Assim, parece-me essencial investigar e divulgar os fundamentos históricos da identidade da PM. Também julgo indispensável trabalhar com rigor os fundamentos filosóficos da identidade da PM, aprofundando o pensamento crítico e reflexivo sobre a sua inquestionável utilidade, de forma a dar corpo a um património imaterial sólido, consubstanciado numa doutrina específica de capacidades, de organização e de operações policiais-marítimas. Por fim, do ponto de vista sociológico, importa estruturar a identidade da PM, segundo três linhas de acção principais:
a) Fundamentar a identidade da PM na natureza do serviço público que os seus Comandos vêm prestando, neste último século, de forma coerente e contínua, às comunidades ribeirinhas, nautas e mercantis.
b) Sustentar a identidade da PM na imprescindibilidade de se assegurarem as funções públicas de Portugal como País que actua e intervém, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, na qualidade de Estado Costeiro e de Estado de Bandeira, e na qual esta polícia de especialidade tem um papel preponderante.
c) Perenizar a identidade da PM numa simbologia que se sustente na cultura marítima que os seus efectivos orgulhosamente ostentam, e que é resultante de um longo percurso de vivências com organizações e com gentes ligadas ao mar.
Para terminar vou abordar, de forma igualmente breve, um assunto que, nestes últimos anos, suscitou muita polémica pública. Refiro-me ao relacionamento entre a Marinha e a Autoridade Marítima Nacional, designadamente com a Polícia Marítima.
Como todos sabemos, na sequência da publicação do DL nº 235/2012 de 31OUT, ainda subsistem assuntos de natureza material, organizacional e operacional a activar e a corrigir, para que se alcance o relacionamento institucional harmonioso que todos desejamos. Cientes deste facto e animados de propósitos correctos, no período de ajustamento em que nos encontramos, é nossa obrigação identificar esses assuntos e, de forma serena e responsável, propor soluções que façam recurso a processos institucionais, sem se explorarem paixões à volta de factos ou temas, quantas vezes pontuais ou fortuitos, e que, se colocados no tempo próprio e nas instâncias adequadas, prontamente são clarificados e resolvidos. É assim que todos estamos e continuaremos a agir, e é assim que procederei na minha acção de comando da PM. Também é assim que, em todas as matérias previstas na Lei n.º 53/98, de 18 de Agosto, com regularidade, continuarei a auscultar e a obter os contributos responsáveis e qualificados da ASPPM.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Os trabalhos que temos pela frente na PM são de construção lenta e laboriosa, porque aplicar princípios novos a uma organização habituada a viver com outros mecanismos é, sempre, uma tarefa difícil, que até pode parecer irrealizável aos mais apressados. A obra será demorada e exigirá um esforço acrescido de todos, mas o que for feito, por se encontrar maduramente pensado, testado e validado, não precisará de reformulações no curto prazo.
Para que isso suceda, tracei horizontes largos e, durante o meu mandato, iniciado há pouco mais de três meses, esforçar-me-ei pela manutenção de um ambiente de dignidade e elevação, bem como pela preservação da cultura de serviço, de rigor e de competência, que são a referência identitária da PM. Em conjunto, Órgãos de Comando e pessoal, procuraremos realizar as nossas tarefas com personalidade. Isto é, criaremos alguma coisa de novo, para benefício de todos aqueles que usam o nosso mar, e para os quais é indispensável a acção de uma PM bem preparada e competente, com um futuro de confiança e prestígio.
Muito obrigado.

alocução do Juiz Conselheiro Mário Mendes

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Em edição

alocução do Presidente da Direção Nacional

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